observador.ptSérgio Cardoso - 7 ago. 00:14

Ricos em casas, pobres em liquidez: o paradoxo de uma geração e o seu legado

Ricos em casas, pobres em liquidez: o paradoxo de uma geração e o seu legado

Está em marcha uma nova fase: uma transferência geracional de riqueza sem precedentes, estimada em mais de 300 mil milhões de euros em imóveis.

Durante décadas, em Portugal ter casa própria foi sinónimo de estabilidade financeira. A geração que hoje tem entre 60 e 80 anos conseguiu, com esforço, concretizar esse objetivo. Compraram, pagaram, mantiveram. Hoje, essas casas são o ativo mais valioso — por vezes único — de muitas famílias.

Entre 2008 e 2023, o preço médio da habitação duplicou. Em Lisboa, mais do que duplicou. Uma valorização que criou um paradoxo: milhares de pessoas habitam em casas que valem meio milhão — mas vivem com pensões de 600 euros. Têm património, mas falta-lhes liquidez.

A casa é, simultaneamente, abrigo, peso financeiro e herança futura. Mas poucos estão dispostos a vender. Porquê? Porque a casa é muito mais do que tijolo. É onde criaram os filhos, onde resistiram às crises, onde esperam deixar uma marca. O apego emocional e o desejo de deixar algo aos filhos sobrepõem-se a decisões racionais.

Já está em marcha uma nova fase: uma transferência geracional de riqueza sem precedentes, estimada em mais de 300 mil milhões de euros em imóveis. Esta herança poderá oferecer estabilidade a muitas famílias — ou agravar desigualdades. Os imóveis concentram-se nas mesmas faixas populacionais, com enorme disparidade territorial: o que vale 500 mil euros em Lisboa pode valer 100 mil no interior. E é esta disparidade que se vai herdar também.

Além disso, esta herança chega muitas vezes tarde demais. Aos 50 ou 60 anos, quando o grande peso das prestações, da educação dos filhos… os grandes encargos da vida já passaram. A falta de literacia financeira e planeamento sucessório pode transformar esta oportunidade num problema: conflitos familiares, imóveis fechados, a degradar-se. Vendas forçadas. E uma herança que perde valor — financeiro e emocional.

É urgente preparar este momento. Políticas públicas que incentivem o arrendamento acessível, reabilitação urbana ou instrumentos como a hipoteca inversa podem ajudar. Mas também é essencial apoiar famílias com informação neutra, literacia financeira e aconselhamento legal.

Se bem gerido, este património pode ser um motor da mobilidade social e contribuir para um mercado mais equilibrado. Se ignorado, será apenas mais um capítulo na história das desigualdades.

A casa foi o símbolo da prosperidade do século XX. Saber o que fazer com ela será um dos maiores desafios económicos do século XXI.

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