Observador - 7 ago. 00:13
O fogo e a comunicação social
O fogo e a comunicação social
A questão da motivação mediática das acções proibidas é uma realidade conhecida e até mesmo em temas de menor gravidade já foi provado o seu efeito.
Portugal enfrentou nestes últimos dias um enorme conjunto de fogos florestais, com um impacto muito aumentado pela onda de calor que assolou o país, mas que resultou principalmente da mão criminosa de uns quantos que, seja por questões do foro psicológico ou por questões económicas, se tornam em potenciais assassinos da população portuguesa e destruidores da sociedade e da riqueza de cada um daqueles que veem destruídos os seus bens.
Li na imprensa nesta semana que tinha sido detido um incendiário com antecedentes, por ter cometido o mesmo crime por duas vezes, e pergunto-me se acreditamos verdadeiramente que este sistema de justiça que estamos a viver há décadas, e que tenta não penalizar quem prevarica, não está a fazer sofrer cada vez mais um povo que não merece a elite que o governa.
Será que acreditamos mesmo que um incendiário deve ter uma pena de tal maneira ligeira que em pouco tempo possa voltar, por duas vezes, a cometer esse crime de tentativa de homicídio colectivo?
Também lemos e ouvimos sistematicamente dizer que uma das motivações dos incendiários é assistirem ao resultado da sua acção criminosa.
Ora, sabendo isto, será razoável aceitar ter uma quantidade de canais televisivos a transmitir em directo – e muitas vezes tentando criar maior emoção com esta desgraça alheia – horas e horas de imagens do incêndio promovendo em enorme escala a pretensão do próprio incendiário?
No caso dos suicídios, um tema que reconhecidamente não é tratado na comunicação social pela consciência do efeito de estímulo que tem sobre outros potenciais suicidas, a imprensa assumiu uma posição socialmente louvável de não transmitir qualquer imagem ou notícia que possa ter esse efeito.
Pergunto-me por que razão não assume a comunicação social a mesma atitude com um fenómeno que traz ainda maior desgraça à sociedade portuguesa.
Esta questão da motivação mediática das acções proibidas é uma realidade conhecida e até mesmo em temas de menor gravidade já foi provado o seu efeito.
A questão da constante violação da imagem de edifícios e meios de transporte através dos graffiti foi um tema tratado na cidade de Nova Iorque há alguns anos quando o então responsável pela governação da cidade decidiu apagar, no dia imediatamente a seguir à sua pintura, os graffiti, anulando o efeito que procuravam os seus autores de poderem mostrar ao mundo as suas “habilidades”.
Este é um sistema que está a ser utilizado em algumas cidades do centro do nosso país com resultados equivalentes.
A penalização forte de quem prejudica os outros, a notícia dessa penalização, a anulação da promoção do resultado obtido com a acção prevaricadora dos seus autores, seja através da promoção de imagens seja através do aproveitamento da desgraça alheia para aumentar o “share” televisivo, são questões que devem ser responsabilidade dos governos e dos meios de comunicação social.
Devemos exigir aos governantes do nosso país, para que não se continue a destruir aquilo que nos sobra depois de pagar enormemente a um Estado que nos devia defender e cuidar e que desta forma apenas contribui para aumentar o nosso prejuízo, que assumam com coragem a sua responsabilidade de criar um verdadeiro sistema de justiça que não tenha medo de prender quem nos quer prejudicar e que não esteja conivente com a promoção de atitudes criminosas apenas para aumentar os resultados de uma comunicação social que se torna sensacionalista em vez de responsável por ajudar Portugal a ser melhor.
A comunicação social tem o dever de informar, mas não tem o dever de explorar os sentimentos e de manipular as pessoas apenas para obter maiores resultados.