Joana Andrade - 7 ago. 14:15
A mesa dos crescidos
A mesa dos crescidos
Se a União Europeia perdeu alguma coisa neste acordo com os Estados Unidos, foi o seu lugar na mesa dos crescidos.
A União Europeia atravessa um momento delicado. O relatório publicado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, em 2024 expôs as fragilidades europeias em vários vetores, dos quais se destacam três: o gap na inovação, a burocracia hipertrofiada, e a questão do fraco investimento em defesa. Draghi apontou ainda para o fosso que tem vindo a ser cavado em termos de PIB per capita entre a União e os EUA, sendo que 72% da atual lacuna se deve à baixa produtividade da UE. O relatório não podia ter deixado o atraso europeu mais claro, mas mais que um documento orientado para expor as falhas, foi também uma chamada à ação que deveria servir de linha orientadora do novo mandato de Ursula von der Leyen à frente da Comissão Europeia. Mas, e como escrevi noutras ocasiões, o relatório parece ter ficado esquecido numa prateleira empoeirada de Bruxelas.
E se o relatório Draghi cristalizou estas debilidades, Donald Trump veio confirmá-las na prática. O último encontro entre o Presidente americano e von der Leyen revelou-se uma forte machadada nas pretensões europeias de ser um player fundamental no cenário internacional. Isto porque a abordagem de Trump, que utiliza as tarifas também enquanto instrumento de poder político, levou a UE a ceder – tal como cederam outras nações de menor dimensão –, contentando-se com o resultado menos mau. As tarifas que, segundo as ameaças, chegariam aos 30%, ficarão assim pela metade. Mas, para além das tarifas, a UE comprometeu-se a investir cerca de 600 mil milhões de dólares nos Estados Unidos no decurso dos próximos quatro anos, segundo o documento oficial publicado pela Casa Branca. Atualmente, as empresas da UE investem já 100 mil milhões anuais. A UE vai ainda importar cerca de 750 mil milhões de dólares no setor energético e ainda «quantidades significativas de equipamento militar dos EUA», lê-se no documento da administração americana. Mas mais que os detalhes específicos do acordo, o que realmente importa é a reputação geopolítica.
Estes desenvolvimentos são provavelmente a maior demonstração do enfraquecimento europeu desde a criação do aparelho comunitário. Nem poderia ser diferente. Como pode a União Europeia almejar um estatuto superior neste novo jogo geopolítico de high-stakes com indicadores económicos preocupantes, causados principalmente pela inércia e pelos garrotes impostos por um sistema regulatório excessivo? Assim, neste momento, a Europa encontra-se no meio das duas superpotências, espremida de ambos os lados – porque a China, como concluiu o economista Brad Setser, «já está a travar uma guerra de política industrial com a UE – e está a ganhar» –, e, ao contrário do que aconteceu durante a Guerra Fria, a gravitas do Reino Unido e da França já não é a que foi em tempos.
Então, perdeu a UE a sua raison d’être, como sugeriu Bruno Maçães na sua mais recente coluna publicada no The New Statesman? É uma questão fundamental. O argumento de Maçães – «se a UE é, afinal, demasiado fraca, demasiado dividida, demasiado tímida para defender os interesses europeus na cena mundial, para que serve exatamente?» – é forte e duramente real.
Porém, há quem ainda acredite que a questão pode ser resolvida recorrendo à varinha mágica da integração. Admito que a resposta não é simples. Há várias nuances em jogo. Mas uma coisa parece certa: se a UE perdeu alguma
coisa, foi o seu lugar na mesa dos crescidos.