eco.sapo.ptAntónio Rito Batalha - 7 ago. 18:46

O “Trilema” do setor segurador: Taxas, Tarifas e Incerteza

O “Trilema” do setor segurador: Taxas, Tarifas e Incerteza

António Rito Batalha avisa que no imediato, as seguradoras terão de reforçar a capacidade analítica, proteger o balanço e manter a confiança dos investidores e dos segurados.

A Reserva Federal dos E.U.A optou por manter as taxas de juro inalteradas e, segundo projeções recentes da S&P Global, aumenta a probabilidade de não haver qualquer corte ao longo de 2025. A isto junta-se uma nova vaga de tarifas comerciais decretadas pelo presidente Donald Trump, que mergulha a economia mundial numa nova era de competição mercantil. Para o setor segurador, trata-se de uma conjugação rara e complexa de fatores: taxas elevadas por mais tempo, tensão geopolítica e incerteza nos mercados financeiros.

Juros altos: mais rendimento… e mais pressão

A subida das taxas de juro desde 2022 foi bem acolhida por grande parte do setor segurador, tradicionalmente investido em ativos de longo prazo, como obrigações soberanas e corporativas. A remuneração mais atrativa destas aplicações contribuiu para reforçar margens e capital. Mas a manutenção prolongada deste regime traz consigo novas tensões.

Desde logo, os custos de financiamento para empresas e particulares continuam elevados, o que penaliza a atividade económica. Os setores mais sensíveis ao ciclo — como o automóvel, a construção e o comércio — abrandam, com impacto direto na procura por seguros. Além disso, os ativos comprados antes da subida das taxas continuam a valer menos no mercado, o que reduz a flexibilidade das seguradoras caso precisem de vender ou reorganizar a carteira.

A atual forma da curva de juros — mais achatada e com menor diferença entre prazos curtos e longos — reflete incerteza sobre o futuro e torna mais difícil decidir por quanto tempo investir e como equilibrar segurança com rentabilidade.

O efeito Trump: tarifas, fragmentação e risco político

Como se não bastasse a pressão monetária, o presidente Trump formalizou esta semana uma nova ronda de tarifas comerciais sobre dezenas de países — entre eles, parceiros estratégicos como a União Europeia, Canadá, Reino Unido, Japão, Suíça, Taiwan e Índia. Trata-se de taxas que oscilam entre os 10% e os 50%, com o objetivo declarado de reduzir o défice externo dos E.U.A. e financiar cortes fiscais internos.

Estas medidas marcam um novo capítulo na fragmentação do comércio internacional. Aumentam os custos de produção e importação, ameaçam as cadeias logísticas e pressionam os preços — dificultando o controlo da inflação. Globalmente, geram instabilidade e reduzem previsibilidade, sendo estes dois fatores críticos para a avaliação de risco no negócio segurador.

As seguradoras com exposição a empresas exportadoras ou a mercados emergentes particularmente atingidos pelas tarifas verão aumentar a volatilidade das suas carteiras. Já os ramos ligados a transportes internacionais, logística e seguros de cr��dito podem sofrer uma quebra na atividade segurável e um aumento da sinistralidade esperada.

Carteiras sob stress e exigência regulatória

Neste novo ambiente, a gestão de ativos das seguradoras depara-se perante um “trilema”: como manter rendibilidade, solvência e liquidez num cenário de taxas altas, mercados instáveis e economia global fragmentada?

Os desafios não são apenas financeiros. As regras prudenciais — como Solvência II na Europa ou os novos modelos de capital nos EUA — exigem testes de stress mais robustos, uma gestão mais fina dos riscos geográficos e setoriais e um maior grau de previsibilidade sobre fluxos de caixa que a seguradora terá no futuro.

Neste contexto, o papel do resseguro pode também ganhar relevância adicional, não apenas como forma de partilhar riscos, mas como apoio para reforçar a estabilidade financeira das seguradoras. Num ambiente de maior incerteza económica e exposição a fenómenos extremos, poderá haver uma reavaliação das estratégias de retenção e um reforço das coberturas — em especial através do resseguro catastrófico ou proporcional em ramos mais expostos a variações do mercado ou do clima.

De acordo com análises recentes da S&P Global1 e da IRMI2, a capacidade de manter uma carteira resiliente implica:

  • Rever os pressupostos de rentabilidade esperada;
  • Diversificar os riscos de concentração geográfica e setorial;
  • Integrar métricas de risco climático e político na análise de crédito;
  • Manter planos de liquidez que permitam responder a choques súbitos de mercado.
Perspetiva de médio prazo: navegação em águas turbulentas

A combinação de uma política monetária rígida com uma política comercial agressiva gera um ambiente onde os modelos de negócio tradicionais do setor segurador podem ser postos à prova. A aversão ao risco pode aumentar, as margens podem ser comprimidas e a volatilidade pode testar os modelos de capital.

O equilíbrio futuro dependerá, em boa parte, da evolução das negociações comerciais — nomeadamente com a China — e do comportamento da economia real face ao prolongamento das taxas elevadas. No imediato, as seguradoras terão de reforçar a capacidade analítica, proteger o balanço e manter a confiança dos investidores e dos segurados. Navegar num mundo menos eficiente e mais imprevisível exigirá mais do que prudência: exigirá agilidade estratégica.

1 S&P Global – Odds of no interest rate cuts in 2025 rise

2 IRMI – 2024 Insurance Year in Review and 2025 Developments

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