Observador - 8 ago. 00:13
Transformar ciência em valor: a missão da nova Agência de Investigação e Inovação
Transformar ciência em valor: a missão da nova Agência de Investigação e Inovação
Mais inovação portuguesa precisa-se, e isso exige visão integrada, financiamento estável e coragem política para colocar ciência e economia a trabalhar de forma coordenada.
A criação da nova Agência de Investigação e Inovação, anunciada pelo Governo nos últimos dias, pode marcar um ponto de viragem decisivo para Portugal. Se cumprir o seu potencial, esta entidade poderá finalmente transformar o nosso ecossistema científico e tecnológico numa força coesa e orientada para resultados, capaz de gerar verdadeiro valor económico. Para isso, será essencial que a agência traga consigo uma visão estratégica clara e uma coordenação eficaz entre todos os atores envolvidos na produção e aplicação de conhecimento.
O talento existe. Portugal dispõe de investigadores altamente qualificados, infraestruturas científicas robustas e um ecossistema de inovação cada vez mais diversificado — universidades, institutos politécnicos, laboratórios associados, unidades de I&D, centros de interface, CoLabs, centros de tecnologia e inovação (CTI) e as próprias empresas. O que muitas vezes falta é uma estratégia integrada que transforme este potencial em impacto económico real. A nova agência só será bem-sucedida se conseguir articular investigação fundamental, aplicada, desenvolvimento tecnológico e transferência de conhecimento de forma contínua e direcionada para a competitividade.
A criação da Agência de Investigação e Inovação resultará da fusão da Fundação para a Ciência e a Tecnologia com a Agência Nacional de Inovação. Com dupla tutela dos Ministérios da Ciência e da Economia, a nova entidade pretende reunir recursos, simplificar processos e aproveitar melhor os instrumentos de financiamento disponíveis. A ambição é meritória, mas a sua eficácia dependerá da capacidade de eliminar barreiras e de promover ligações sólidas entre ciência fundamental, ciência aplicada e mercado.
Para que possa ter impacto real, esta nova agência deverá alinhar prioridades entre investigação científica e desafios económicos, mantendo sempre a independência da ciência fundamental. Deverá também articular todos os atores do ecossistema em projetos multidisciplinares, nos quais ciência fundamental e aplicada colaborem desde o início, e promover a partilha de dados e recursos para evitar a duplicação de esforços. Será igualmente prioritário simplificar e estabilizar o financiamento, permitindo um planeamento a médio e longo prazo, e potenciar a inovação e a transferência de tecnologia, apoiando a investigação e desenvolvimento, a prototipagem, a certificação e a industrialização de soluções.
Neste contexto, os centros de tecnologia e inovação (CTI) assumem um papel estruturante. São eles o elo operacional entre a investigação e a indústria, desenvolvendo, validando e transferindo tecnologia para as empresas. É através do seu trabalho que o conhecimento se transforma em valor, materializado em novos materiais, produtos, serviços e processos inovadores e competitivos. Ignorar ou subfinanciar estes centros será desperdiçar anos de investimento público e travar a capacidade de Portugal responder às duas grandes transições que já moldam o presente e o futuro: a digital e a climática e energética.
O Presidente da República já alertou que poderá vetar a medida se houver dúvidas sobre a sua solidez. Essa prudência deve ser aproveitada como uma oportunidade para que a reforma seja discutida com todo o ecossistema, evitando que a nova agência se limite a uma alteração administrativa.
Só assim a nova agência passará a ser um verdadeiro motor para ajudar a alavancar a competitividade do nosso país.