publico@publico.pt - 7 ago. 07:10
Sobre a extinção da FCT e o futuro da investigação em Portugal
Sobre a extinção da FCT e o futuro da investigação em Portugal
Não conhecemos detalhes sobre a nova Agência para a Investigação e Inovação e, enquanto isso não acontecer, a insegurança e também a especulação quanto ao futuro continuarão.
Caiu como uma bomba no último dia de julho a notícia da extinção da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que geria os fundos públicos para a ciência em Portugal desde 1997. Há vários anos que a FCT vinha a ser alvo de muitas críticas da comunidade científica pelo seu funcionamento excessivamente burocratizado, imprevisível e ineficiente. E alguns tinham já defendido que o melhor era extingui-la e formar uma nova agência. No entanto, compreende-se o espanto geral, pois não havia nenhuma indicação de que esta mudança radical iria acontecer, nem fazia parte do Programa do Governo ou do Ministério da Educação, Ciência e Inovação. E esta foi sem dúvida uma falha, porque, mesmo que seja uma medida essencial, deveria ter sido anunciada e discutida com a comunidade científica.
Também a data do anúncio, na véspera do início do período de férias, pode ser criticada. Como consequência, há neste momento uma enorme insegurança quanto ao futuro, bem como sobre os vários concursos a decorrer e contratualizações que já estavam atrasadas. Entretanto, a secretária de Estado da Ciência e Inovação, a professora Helena Canhão, veio garantir que estes não serão comprometidos.
Mas passando a falta de envolvimento e conhecimento da comunidade científica sobre esta grande transformação, poderemos analisar o pouco que já sabemos.
Em primeiro lugar, o nome da nova agência que resulta da fusão da FCT com a Agência Nacional de Inovação (ANI) – Agência para a Investigação e Inovação (AI2). O nome é importante, pois indica que a ciência e a inovação vão ser geridas em conjunto. Há uma lógica nesta opção, uma vez que o conhecimento resultante da investigação pode ser aplicado e trazer benefícios económicos e para a sociedade. E Portugal continua atrás de muitos países europeus nos indicadores de inovação como, por exemplo, no número de patentes.
Por isso, esta combinação pode revelar-se benéfica. Mas há um risco enorme que tem sido amplamente destacado – o de se passar a financiar exclusivamente ou maioritariamente ciência que pode ser transformada em aplicações, descurando a ciência dita “fundamental”. Este risco tem sido muito debatido desde que, no último concurso para projetos em todos os domínios de investigação da FCT, uma das regras era a de que os mesmos só poderiam ter 10% de investigação fundamental.
Também neste caso, a secretária de Estado garantiu que a ciência fundamental não será descurada, mas a preocupação é legítima. No meu último artigo, defendi a importância de se continuar a investir em boa ciência, esteja ela virada para a aplicação ou “apenas” para a geração de conhecimento.
O anúncio da extinção da FCT veio com uma boa notícia sobre uma reivindicação antiga – a de assegurar um financiamento plurianual para a AI2 por quatro anos. Este é um princípio fundamental para a independência da nova agência e para a capacidade de implementar um programa de financiamento que não depende de cada Orçamento do Estado e respetivas prioridades e dotação, que são voláteis. Esperamos também que isto signifique uma maior previsibilidade dos concursos para que não passemos novamente três anos apenas com um concurso para projetos de investigação.
De resto, não conhecemos mais detalhes sobre a AI2 e, enquanto isso não acontecer, a insegurança e também a especulação quanto ao futuro continuarão. É, por isso, urgente que haja uma discussão ampla e se conheça a orgânica da nova agência, pois uma reforma desta magnitude só pode ser feita com a comunidade científica. É o futuro da ciência em Portugal que está em causa e vários têm sido os avisos de que a mesma está em risco, se não for revertido o declínio dos últimos anos. Não podemos desperdiçar esta oportunidade, que pode ser a última para não perdermos o que foi construído nos últimos 30 anos. E todos esperamos que não se aplique a célebre citação de Lampedusa – “É preciso mudar para que tudo fique igual.”
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico