observador.ptObservador - 8 ago. 00:06

Ajustes mais que diretos

Ajustes mais que diretos

Todas as semanas temos notícias que revelam indícios e práticas de corrupção nos organismos públicos, estando, parte significativa das mesmas, relacionadas com as compras públicas das entidades.

São demasiadas as caricatas histórias em que a empreitada já se encontra terminada, e o procedimento ainda se verifica por lançar, circunstâncias que personificam o comportamento de quero, posso e mando dentro das gestões dos organismos públicos, logrando-se sempre forma de contornar os procedimentos, mesmo quando devidamente feitos.

A questão que se impõem junto da figura do legislador é a seguinte: Qual a razão para ainda se ter procedido à alteração do Código dos Contratos Públicos?

Quem ao diploma supramencionado se encontra sujeito, usa e abusa da facilidade com que se pode distorcer a prática procedimental. Ora vejamos,

A lei estabelece diferentes tipologias procedimentais, atribuindo-se especial fama – pela frequência de uso – ao ajuste direto e à consulta prévia, sendo estes procedimentos restritivos da concorrência.

Para que melhor se entenda, ambos funcionam por intermédio de convite, dirigindo-se a 1 entidade no caso do ajuste direto e a, pelo menos, 3 quando se trata de consulta prévia.

O organismo público pode optar pelo ajuste direto quando contrata, em regra, bens e serviços até ao montante de € 20.000,00 e empreitadas até à quantia de € 30.000,00, o que se encontra previsto nas alíneas d) dos artigos 20.º e 19.º do CCP, respetivamente.

Perante os presentes limites, estabelece o articulado 113.º do mesmo diploma que “não podem ser convidadas a apresentar propostas, entidades às quais a entidade adjudicante já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores (…) propostas para a celebração de contratos cujo preço contratual acumulado seja igual ou superior aos limites referidos naquelas alíneas”.

Ou seja, passando a caso prático: Se a entidade adjudicante tiver celebrado com B, no ano de 2025, 2024 e 2023, contratos que, somados, extravasem os limites de € 20.000,00 ou € 30.000,00, consoante a tipologia, não pode proceder a novo convite junto desta entidade.

Igualmente não podem, nos termos do mesmo artigo, “ser convidadas a apresentar propostas entidades especialmente relacionadas com as entidades referidas (…), considerando-se como tais, nomeadamente, as entidades que partilhem, ainda que apenas parcialmente, representantes legais ou sócios, ou as sociedades que se encontrem em relação de simples participação, de participação recíproca, de domínio ou de grupo.”

Precavendo-se a hipótese de diante o impedimento da sociedade B, ser convidada a sociedade C, onde B também é parte.

Contundo, temos reparado na insuficiência e ineficácia destas normas limitativas, uma vez que as entidades adjudicantes prosseguem com o seguinte artifício: independentemente do valor, ainda que inferior aos limites supra indicados, realizam o procedimento sobre a tipologia de consulta prévia – no pressuposto que estão à abrir o mencionado à concorrência – permitindo assim que o fornecedor impedido de convite no ajuste direto, possa agora ser convidado para consultas prévias até ao limite de € 75.000,00 para bens e serviços e € 150.000,00 para empreitadas de obras públicas.

Exemplificando: a sociedade B já se encontra limitada ao convite por ajuste direto por deter contratos em valores superiores a € 20.000,00 em 2025, 2024 e 2023. No entanto, a entidade adjudicante pretende adquirir bens no montante de € 7.000,00. Em detrimento de usar do ajuste direto, escolhe a consulta prévia para que possa convidar o fornecedor que pretende que ganhe.

Em parte significativa das ocorrências o conluio é tanto que, quando se ultrapassa para o patamar da consulta prévia – que exige convite a três entidades – somente aquela que se encontra impedida pelo ajuste direto responde, escusando-se as remanescentes duas de apresentar qualquer proposta.

Qual a solução para o exposto?

Realizar aditamento ao artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos, que determina os limites das entidades a convidar, promovendo uma redação que proíba o convite a entidades que se encontrem impedidas de participar em ajustes diretos, quando o preço base do procedimento se estabelecer dentro dos definidos nas alíneas d) dos artigos 19.º e 20.º do CCP.

Assim, – e voltando ao exemplo anterior – se a entidade adjudicante pretender adquirir bens no montante de € 7.000,00, somente poderá usar da consulta prévia a 3 entidades, se nenhuma destas se encontrar impedida de participar em ajuste direto.

Desta forma, tornar-se-á mais difícil de praticar o artifício agora em voga, sendo as entidades obrigadas a duplicar, triplicar ou quadruplicar o preço base das aquisições planeadas para conseguirem convidar quem se pretende que vença o procedimento. Que é mesmo assim.

Se por um lado, existem bens que pela sua longevidade conseguem contornar esta medida, muitos outros criariam, factualmente, um mercado mais justo, amplo e reduzido de corrupção.

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