publico@publico.pt - 7 ago. 10:35
A COP não é para todos: quando se exclui quem também precisa estar na mesa
A COP não é para todos: quando se exclui quem também precisa estar na mesa
A Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP) é, ou deveria ser, o mais importante palco global para avançar a agenda climática. Em 2025, a C
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OP30 será sediada no Brasil, em Belém do Pará, no coração da Amazônia. Mas, antes mesmo de começar, o evento já sofre um abalo grave em sua credibilidade e acessibilidade. A COP30 caminha para se tornar a conferência mais excludente dos últimos anos: uma COP que não é para todos.
O caso mais simbólico até agora é a ausência do presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen. Apesar de reconhecer o "grande valor simbólico" de Belém como sede da conferência, o chefe de Estado cancelou sua participação devido aos altos custos logísticos da viagem. A decisão citou a "estrutura orçamentária apertada" da Chancelaria Presidencial. No lugar do presidente, o país será representado pelo ministro do Meio Ambiente, Norbert Totschnig.
A Áustria, uma das economias mais sólidas da Europa, com um PIB de cerca de US$ 540 bilhões, conhecida por políticas ambientais ambiciosas — como seu investimento em energia renovável e mobilidade sustentável — está encontrando barreiras financeiras para enviar sua delegação completa. Se a Áustria está achando caro, o que esperar de países e organizações do Sul Global?
A participação em conferências climáticas como a COP é estratégica para países em desenvolvimento. É ali que se disputam fundos climáticos, se firmam parcerias técnicas e se conquistam espaços de visibilidade para iniciativas locais. Mas os custos elevados para chegar, se hospedar e participar da COP30 em Belém estão tornando o acesso inviável para muitos. E não estamos falando apenas de presidentes e ministros: estamos falando de lideranças indígenas, jovens ativistas, cientistas, mulheres e comunidades que vivem os impactos diretos da crise climática.
O governo brasileiro tem corrido atrás do prejuízo. Nesta semana, o secretário da COP30, Valter Correia da Silva, anunciou que o Brasil pretende solicitar à ONU um aumento nos valores do fundo que subsidia a participação de delegações de 144 países. A justificativa é que a base diária estipulada para Belém está abaixo de 150 dólares — um valor significativamente menor do que o calculado para cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que têm diárias de referência de 229 e 234 dólares, respectivamente.
Mas esse descompasso era previsível. Belém é, sim, um destino turístico consolidado, que atrai visitantes do Brasil e do exterior, especialmente pela riqueza cultural e ambiental da região. Ainda assim, o nível de planejamento para um evento da escala da COP30 ficou aquém do necessário, mesmo com a cidade tendo sido anunciada como sede ainda em 2023.
Faltando poucos meses para a conferência, obras seguem inacabadas, faltam acomodações adequadas e há relatos de que delegações terão que se hospedar em navios. Esse cenário tem um efeito claro: desencoraja a participação de muitos, especialmente da sociedade civil e de representantes de países do Sul Global, que já enfrentam barreiras logísticas e orçamentárias para estarem presentes.
É comum haver aumento nos preços de hospedagem durante grandes eventos internacionais. Mas o que estamos vendo em Belém vai muito além do razoável: nunca se viu um salto tão vertiginoso nos custos em nenhuma outra edição da COP. Diárias que antes custavam R$ 200 estão sendo anunciadas por mais de R$ 2 mil, quando disponíveis. O impacto é claro: as delegações maiores encolhem, e muitas vozes importantes simplesmente não conseguem participar.
Diante da explosão de preços, o governo federal alega ter pouco controle. Segundo a Casa Civil, há limites legais, pois a legislação brasileira não permite impor tabelamento de preços a hotéis, nem a empresas como Airbnb e Booking. Mas esse argumento, embora juridicamente válido, não justifica a falta de estratégias prévias de contenção e organização — especialmente em um evento com tamanho valor simbólico e político.
E há um risco ainda maior. Em um momento em que o negacionismo climático cresce no cenário global, transformar a COP em um evento inacessível, restrito aos que podem arcar com custos exorbitantes, é um tiro no pé. A conferência pode acabar sendo percebida como um luxo elitista, o que mina sua legitimidade justamente quando mais precisamos ampliar a mobilização global por justiça climática. O fortalecimento da pauta climática exige, acima de tudo, transparência, diversidade e inclusão. Torná-la inacessível alimenta narrativas perigosas que negam sua urgência.
A COP não é (ou não deveria ser) um evento exclusivo para chefes de Estado e CEOs. Ela só cumpre seu propósito se garantir a participação plural de atores da sociedade civil, especialmente aqueles que vivem nas regiões mais afetadas pela emergência climática. A ausência do presidente austríaco é apenas o sintoma mais visível de um problema estrutural: a COP30, do jeito que vem sendo organizada, está se tornando inacessível até para quem tem um papel fundamental nas negociações.
Se quisermos mostrar que o Brasil está de volta ao centro do debate climático global, não basta sediar o evento — é preciso garantir que ele seja justo, inclusivo e acessível. A COP30 ainda pode ser histórica. Mas, para isso, precisa deixar de ser um palco para poucos e se tornar um espaço verdadeiramente coletivo. O tempo e a paciência da comunidade internacional estão se esgotando.
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