observador.ptObservador - 8 ago. 00:04

Educação na Era da Inteligência Artificial: o que estamos a falhar?

Educação na Era da Inteligência Artificial: o que estamos a falhar?

Como disse Alvin Toffler, "os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender."

Vivemos um tempo de viragem civilizacional. A emergência dos grandes modelos de linguagem (LLMs) e da inteligência artificial generativa está a mudar, de forma vertiginosa e transversal, a forma como vivemos, trabalhamos, comunicamos, criamos e aprendemos. Esta transformação não é uma promessa de futuro, é real, presente e irreversível. E entre todas as áreas impactadas, talvez a mais delicada, e simultaneamente promissora, seja a da educação.

Não se trata apenas de novas ferramentas tecnológicas. Trata-se de um novo paradigma cognitivo e cultural. A IA está a redefinir os processos de aquisição de conhecimento, a forma como estruturamos o raciocínio, como acedemos à informação, como desenvolvemos pensamento crítico, e até como nos relacionamos com o erro, a dúvida, a memória e a criatividade.

No entanto, perante esta revolução, o sistema educativo, em Portugal e em muitos outros países, continua a olhar para a IA com desconfiança, quando não com aberta hostilidade. Os sinais são evidentes: professores a proibirem o uso de ferramentas como o ChatGPT, escolas a regulamentarem testes com vigilância reforçada e suspeição permanente, ministérios que insistem em silêncios ou respostas tímidas. Na ânsia de manter um certo “controlo”, estamos a tentar impedir o inevitável. E isso tem um nome: negação institucionalizada do futuro.

O erro comum: tratar a IA como uma ameaça moral

Perante esta nova realidade, a reação dominante tem sido proibitiva. É compreensível: muitos professores sentem-se desorientados, alunos abusam do “facilitismo” e as instituições têm medo de perder autoridade. No entanto, há um erro de base nesta abordagem: tratar a IA como um problema moral, em vez de um instrumento pedagógico e estratégico.

De facto, o uso acrítico da IA para “copiar respostas” ou substituir o esforço individual de aprendizagem deve ser combatido. Mas proibir o uso da IA como se fosse um vírus maligno é não perceber o essencial: a IA já está a redefinir o papel do conhecimento e a tornar obsoletos muitos dos métodos tradicionais de ensino.

Continuar a ensinar como antes é condenar os nossos alunos. Continuar a exigir que os alunos decorem conteúdos que uma IA pode recuperar em segundos é um contrassenso. Exigir que memorizem datas, listas, fórmulas ou definições, quando poderiam estar a treinar raciocínio, análise e pensamento estratégico com o auxílio de ferramentas avançadas, é um desperdício de tempo, talento e potencial.

Mais grave ainda: ao impedir o uso inteligente destas tecnologias, estamos a gerar um fosso entre os que aprendem com IA e os que são obrigados a ignorá-la, criando uma nova forma de desigualdade educativa. A educação pública não pode continuar a preparar os alunos para um mundo que já deixou de existir.

Um novo contrato pedagógico: IA + cognição humana

Não se trata de substituir professores por máquinas, nem de reduzir a aprendizagem a comandos de texto numa interface de IA. Trata-se de redefinir o papel de todos os agentes educativos: os professores como guias, curadores e mentores de pensamento; os alunos como exploradores ativos de conhecimento; a IA como acelerador, personalizador e organizador do processo de aprendizagem.

A inteligência artificial, enquanto “oráculo computacional”, só é útil quando quem pergunta sabe o que quer saber. Isto exige alfabetização digital profunda, consciência epistemológica e capacidade de formular perguntas relevantes. E é exatamente aqui que entra o papel do professor: ensinar a pensar, a questionar, a avaliar, a interpretar. A verdadeira revolução está na convergência entre inteligência computacional e inteligência humana, onde a primeira organiza e acelera, e a segunda decide, interpreta e cria.

Educação personalizada: de utopia a realidade possível

Pela primeira vez, temos ferramentas com capacidade para oferecer educação verdadeiramente personalizada. A partir das interações com modelos de IA, é possível identificar com precisão as dúvidas, lacunas, ritmos e estilos de aprendizagem de cada aluno. A partir daí, professores podem co-construir planos de estudo ajustados, exercícios adaptados, estratégias individualizadas.

Isto é radicalmente diferente da lógica industrial do ensino em massa, baseada num “currículo único” para “turmas homogéneas”. É, em última instância, o fim da escola como a conhecemos, e o nascimento de uma nova ecologia de aprendizagem, mais centrada no aluno, mais reativa, mais humana.

Mas para que isto aconteça, é preciso coragem política, visão pedagógica e formação contínua. É preciso que os ministérios da educação assumam que o modelo atual está ultrapassado. É preciso que as universidades formem novos professores com competências em IA. É preciso que os pais e encarregados de educação entendam que proibir não é proteger, é condenar os seus filhos à irrelevância num mundo que exige literacia tecnológica avançada.

Um apelo direto às autoridades, escolas e famílias

É tempo de agir. As decisões que tomarmos nos próximos dois ou três anos vão definir o destino de toda uma geração. Não podemos continuar a fingir que a IA é uma moda passageira, nem continuar a ensinar como se estivéssemos em 1985. O mundo mudou. O conhecimento mudou. A aprendizagem mudou. Só a escola continua a mesma.

Urge criar estratégias nacionais de integração responsável da inteligência artificial na educação. Urge formar professores, desenhar novas metodologias, atualizar currículos, dotar as escolas de infraestruturas adequadas. E, acima de tudo, urge abrir o debate público, com seriedade, com profundidade e com sentido de urgência.

Em vez de temer o futuro, abracemo-lo com inteligência. A inteligência artificial não é o fim da educação. É, possivelmente, o seu renascimento. Desde que saibamos usá-la com sabedoria, espírito crítico e visão ética. Desde que saibamos ensinar os nossos jovens não apenas a responder a perguntas, mas a formular as perguntas certas.

Como disse Alvin Toffler: “Os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender.”

É essa a escola que precisamos de construir. Agora.

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