observador.ptObservador - 8 ago. 00:13

A lei laboral pode mudar. E as empresas, mudam com ela?

A lei laboral pode mudar. E as empresas, mudam com ela?

Vivemos num sistema que naturalizou jornadas de 12 horas fora de casa, com crianças entregues à creche às 7h e resgatadas às 19h. Como se isto fosse vida.

O anteprojeto de alteração à lei laboral, atualmente em consulta pública, levanta questões que ultrapassam o tema da amamentação ou os turnos de pais com filhos menores de 12 anos. A discussão está acesa: uns acusam as mães de “prolongarem a amamentação para manter horário reduzido”, outros criticam os pais por recusarem turnos noturnos.

Mas este debate, centrado apenas em direitos parentais, ignora o verdadeiro problema: o modelo de trabalho vigente está desajustado da realidade humana.

Vivemos num sistema que naturalizou jornadas de 12 horas fora de casa, com crianças entregues à creche às 7h e resgatadas às 19h. Como se isto fosse normal. Como se isto fosse vida.

Em nome da produtividade, abafam-se afetos, invisibiliza-se o papel parental e empurra-se o cuidado para as margens da vida profissional. E o resultado está à vista. Partindo de alguns dados divulgados no Livro Branco sobre o Bem-Estar Mental dos Jovens na Europa, lançado pela Fundação Z Zurique em Fevereiro de 2025:

Quase metade dos jovens na União Europeia (49%) relatou necessidades de cuidados de saúde mental não satisfeitas, em comparação com 23% da população adulta

Entre os jovens europeus com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, o suicídio é a segunda principal causa de morte prematura.

No contexto europeu, mais de um em cada seis jovens “lutam com a sua saúde mental” e, de acordo com os autores do trabalho, “dados recentes sugerem que a situação está a piorar”.

Isto não é acaso, mas depois, espantamo-nos com as consequências: jovens que não conseguem distinguir a realidade da ilusão; explosões de violência e comportamentos de risco; dependência de medicação ou outras substâncias para suportar um mundo que nunca lhes ensinou a sentir.

O debate não pode ficar restrito a juristas e políticos. Os líderes de empresas: CEOs, diretores de RH, administradores têm um papel decisivo.

A lei pode dar o enquadramento mínimo, mas as políticas internas são o verdadeiro campo de ação.

Horários flexíveis e escaláveis para funções compatíveis

Modelos híbridos reais, com base na confiança e autonomia

Licenças parentais valorizadas, não penalizadas na progressão

Benefícios familiares e emocionais, como creches in house, apoio psicológico e educativo

Culturas seguras emocionalmente, onde liderar também significa cuidar

Num mercado onde a retenção de talento é um desafio, empresas que ignoram o impacto da parentalidade na vida dos seus colaboradores estão a comprometer o seu próprio futuro.

Dividir para reinar: um erro que custa caro

Focar apenas em mães que amamentam ou em pais com filhos pequenos cria rivalidade artificial entre colaboradores com e sem filhos, entre empresários e equipas.
Na realidade, políticas que respeitam o tempo pessoal beneficiam todos e todas:

colaboradores que são cuidadores de familiares (mais novos ou mais velhos),

jovens a iniciar a vida laboral,

empresas que querem reter talento.

A alteração à lei da licença de amamentação é uma oportunidade para repensarmos não só a legislação, mas a cultura organizacional.
O trabalho deve caber na vida, não a vida caber num intervalo entre jornadas de trabalho intermináveis.

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