observador.ptObservador - 9 ago. 00:02

A base da defesa europeia – empresas, igreja, famílias e política

A base da defesa europeia – empresas, igreja, famílias e política

Tal como uma empresa precisa de gestão eficaz, a Europa de estruturas de comando e controlo unificadas. E se a Igreja tem uma doutrina coerente, a Europa deve ter princípios estratégicos partilhados.

Num mundo cada vez mais instável, a Europa enfrenta desafios de segurança cada vez mais complexos, encontrando-se hoje numa encruzilhada. A fragmentação dos esforços de defesa entre os diversos países europeus não é apenas ineficiente, é sobretudo, perigosamente inadequada face aos desafios presentes. A necessidade de estruturar e coordenar a defesa europeia tornou-se não apenas uma questão de eficiência, mas de sobrevivência estratégica.

A gestão das empresas, os valores da Igreja, a missão das famílias e até mesmo as consequências da politica interna portuguesa podem e devem ser vistas como experiências para uma politica de defesa que pode aprender e muito, com estes quatro “case-studies”.

Empresas: Liderança, Estratégia e Coordenação

A capacidade de responder rapidamente a ameaças e de alocar recursos de forma eficiente é tão crucial para a defesa europeia quanto é para a sobrevivência de uma empresa.

Imaginemos uma grande empresa onde cada departamento actua de forma autónoma, sem qualquer estratégia e coordenação central. Cada divisão adquiriria o seu próprio software, incompatível com o dos restantes, contrataria fornecedores diferentes para serviços idênticos e desenvolveria estratégias até contraditórias.

É precisamente este o panorama da defesa europeia actual.

Enquanto os Estados Unidos mantêm uma estrutura militar unificada, a Europa perpetua um sistema onde cada país desenvolve as suas próprias capacidades, muitas vezes duplicando esforços e criando sistemas incompatíveis entre si. A ausência de um “gestor executivo” da defesa europeia resulta em ineficiências crónicas: 27 sistemas logísticos diferentes, dezenas de tipos de armamento que não podem ser facilmente partilhados e uma incapacidade estrutural, para rapidamente, mobilizar recursos em situações de crise. Tal como nenhuma empresa sobreviveria com 27 departamentos de compras a adquirir equipamentos incompatíveis, a Europa não pode continuar a sustentar este modelo fragmentado de defesa num mundo onde a velocidade e a coordenação são essenciais.

Igreja: Doutrina Social, princípios como fundamento

A Igreja Católica mantém a sua influência global, em parte, devido à sua Doutrina Social que oferece princípios unificadores para orientar a ação dos seus fieis em questões sociais complexas. Independentemente das diferenças culturais ou nacionais, estes princípios fornecem uma base comum para uma acção concertada. A defesa europeia, por contraste, carece de uma “doutrina” unificadora.

Enquanto alguns países priorizam a defesa territorial, outros focam-se em operações expedicionárias. Uns consideram a Rússia como a principal ameaça, outros preocupam-se mais com o terrorismo ou a migração. Esta ausência de princípios estratégicos partilhados, impede uma resposta coerente às ameaças comuns. Sem uma “doutrina de defesa europeia” clara, cada crise provoca debates prolongados sobre como responder, resultando frequentemente em inacção e inércia ou em respostas tardias e inadequadas. A Europa precisa urgentemente de desenvolver princípios estratégicos comuns que possam orientar a acção colectiva de uma defesa comum, independentemente das diferenças nacionais.

Famílias: Cooperação para o Bem Comum

As famílias, consideradas por muitos, o ecossistema de vida em comum mais perfeito, também tem as suas derivações, fruto de encontros e desencontros. O exemplo dos casais que, pelo terminar de uma história e/ou a criação de uma nova, optam pelo divórcio, muitas vezes enfrentam o desafio que é o tentar coordenar a educação e o bem-estar dos filhos, sendo frequentemente obrigados a superar as suas diferenças pessoais para cooperar no interesse dos seus descendentes. Apesar de mágoas passadas e até de divergências presentes, muitos pais divorciados conseguem estabelecer sistemas funcionais de coparentalidade, reconhecendo que o bem-estar dos filhos transcende a forma, como optaram por escolher histórias diferentes daquelas onde não se sentiam preenchidos ou realizados.

A Europa assemelha-se a uma família alargada com um passado complexo. Os países europeus têm histórias de conflito, rivalidades antigas e, por vezes, profundas divergências políticas. No entanto, tal como os pais divorciados que cooperam pelo bem dos filhos, os países europeus precisam de reconhecer que a sua segurança colectiva transcende as suas diferenças históricas ou políticas.

Alemanha, França e Inglaterra, apesar dos seus diferentes posicionamentos em muitas questões, têm de cooperar em matéria de defesa. Os países nórdicos e os mediterrânicos, apesar das suas diferentes prioridades geopolíticas, partilham um destino comum. Tal como os pais divorciados que estabelecem rotinas e regras para benefício dos filhos, a Europa precisa de estabelecer estruturas e procedimentos de defesa consistentes para benefício de todos os europeus.

Política portuguesa: A falta de resposta como risco

A recente ascensão do partido CHEGA em Portugal ilustra um fenómeno político crucial: quando os partidos tradicionais falham em responder às preocupações dos cidadãos, criam um espaço que é preenchido por forças populistas. A incapacidade dos partidos estabelecidos para gerar confiança e credibilidade, em abordar questões como a corrupção, a imigração ou a segurança económica abriu espaço para um partido que oferece respostas simplistas, mas apelativas a problemas complexos.

De forma semelhante, a incapacidade da Europa para desenvolver uma defesa coordenada e eficaz cria um perigoso vazio de segurança. Este vazio pode ser preenchido por uma dependência excessiva dos Estados Unidos, por acordos bilaterais ad hoc que fragmentam ainda mais a unidade europeia, ou, por um regresso ao nacionalismo securitário, onde cada país procura garantir a sua própria segurança independentemente dos outros.

Tal como os partidos tradicionais portugueses estão a perder terreno para o CHEGA devido à sua inacção, a Europa arrisca-se a perder a sua autonomia estratégica e coesão política devido à sua incapacidade de desenvolver uma defesa comum credível.

O Caminho a seguir

Em conclusão, a Europa não pode continuar a adiar decisões difíceis sobre a coordenação da sua defesa. Tal como uma empresa precisa de uma gestão eficaz, a Europa precisa de estruturas de comando e controlo unificadas. Tal como a Igreja necessita de uma doutrina coerente, a Europa precisa de princípios estratégicos partilhados. Tal como os pais divorciados precisam de cooperar pelo bem dos filhos, os países europeus precisam de cooperar pela sua segurança comum. E tal como os partidos tradicionais portugueses precisam de responder às preocupações dos cidadãos para conter o crescimento do populismo, a Europa precisa de desenvolver capacidades de defesa credíveis para evitar a fragmentação e a dependência. A alternativa é uma Europa permanentemente vulnerável, dividida e incapaz de defender os seus interesses num mundo cada vez mais perigoso.

O tempo para agir é agora.

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