observador.ptObservador - 9 ago. 00:06

Elites e Democracia, conflituantes ou conciliáveis?

Elites e Democracia, conflituantes ou conciliáveis?

Defendo uma democracia completa (política, económica, cultural, cívica) mas nunca uma democracia radical onde a maioria esmaga a minoria, onde a demagogia e as emoções substituem as escolhas racionais

Começando pelo fim, qualquer regime político que se possa identificar como democrático numa escala como a dos Estados-Nação e organizações supranacionais, quer a ideologia dominante seja de tendência socialista ou capitalista, necessita de elites, e elites com várias camadas de responsabilidade, atuação e influência. A diferença está na origem da elite. As elites devem ser multiclassistas, culturalmente diversas e destacadas pela sua capacidade e conhecimento, nunca pelo sangue ou pelas condições financeiras.

Gaetano Mosca apresenta para mim uma evidência histórica quando diz que sempre existiram dois estratos na sociedade: os governantes (a elite) e os governados (as massas) — apesar de admitir grandes circulações e alterações nestes estratos, considero que a sua existência é do foro factual. Vilfredo Pareto apresenta também um argumento importante: as elites governantes (os leões) e as elites não governantes (as raposas), com uma clara influência do pensamento de Maquiavel, evidenciam uma realidade das democracias até aos dias de hoje. Existe uma elite que toma e executa decisões, como se representasse o “hard power” da sociedade — é por isso comparada a autênticos leões; existindo aquelas elites que procuram influenciar os acontecimentos políticos, dar conselhos e recomendações, criticar e manipular os próprios governantes e quem os elege. Esses representam um autêntico “soft power” das democracias num plano macro de grandes regimes políticos e Estados e por isso associar esta elite a “raposas”, um animal matreiro e inteligente no seu comportamento quotidiano.

Além disso, Pareto também escreve sobre a circulação das elites, algo que a meu ver torna compatível a existência de elites com a Democracia. A existência de condições económicas mais igualitárias, os limites impostos à acumulação de capital e a preocupação de redistribuição da riqueza criada (para não criar elites económicas “herdadas”) permite que a elite se renove e se vá transformando, permitindo aumentar o seu tamanho e qualidades enquanto governantes e influenciadores da governação, torna no fundo as elites mais democráticas. Indo a Michels e à necessidade de elites nas democracias modernas, possui alguma razão quando aponta a que as necessidades técnicas, burocráticas dos sistemas de governação democráticos levem a uma certa necessidade de existência de elites. O problema desta tese para mim é se essas elites surgirem de condições materiais, condições económicas de privilégio, e não de educação, capacidade política e de liderança. O sistema democrático apenas é duradouro com elites competentes do ponto de vista técnico, de formação e experiência de vida e até de capacidades humanas. Discordo com a “lei férrea da oligarquia” considerando que nem todas as organizações resultam numa liderança com essas capacidades, tanto do foro humano como do foro económico.

Acrescentando também a visão da Weber, a necessidade de liderança não é incompatível com a Democracia, sendo que mesmo as visões tradicionais e primarias de democracia reconheciam a necessidade de formar líderes e de os interligar com os cidadãos como também de os encontrar precisamente com os cidadãos.

Tenho tendência a compreender o realismo cru da teoria clássica das elites tendo em conta o tempo histórico em que ela surge. A ascensão de líderes fortes e isolados, a violência política e a diminuição do “tamanho” da elite marcaram a época. Porém, considerando compatível a existência de elites com o regime democrático, tenho mais inclinação para concordar com Weber, Schumpeter e Robert Dahl, nas suas visões alternativas do demo-elitismo. Como disse no início, a dimensão geográfica e populacional dos regimes e organizações democráticas exige que aceitemos a definição de democracia como competição legitima pelo voto dos cidadãos, abandonado concepções clássicas de Democracia que foram criadas para realidades muito mais micro. Weber têm razão quando diz que apesar das elites conseguirem escolher governantes, o resto dos cidadãos ainda detém o poder de as substituir e avaliar. A visão de democracia plebiscitaria da democracia já é mais uma consequência de uma elite e democracia doente, que necessita de validação pessoal e não de avaliação programática e das ações da elite enquanto “hard e soft” power. Considero que as elites só precisam desse nível de validação individual num sistema democrático, quando estão fragmentadas e em decadência.

Sobre J.Shumpeter, a sua visão drástica das massas e do seu funcionamento é muito relevante na atualidade dos regimes democráticos. Analiso cada vez mais que os eleitores, as massas tomam comportamentos e decisões impulsivas, imprevisíveis e que são manipuláveis, não tanto pelas elites governantes, mas pelos populismos e pelas elites não governamentais, as “raposas” dos media, da opinião publica e do setor financeiro e tecnológico.

O marxismo é relevante para compreender a compatibilização entre elites e democracia, pois as elites económicas permanentes e de elevada acumulação de riqueza levam a uma quebra nas qualidades humanas e técnicas das elites governantes e a uma falta de circulação dentro da elite que impede a existência de um regime democrático. A existência de uma democracia, principalmente na vertente económica permite um equilíbrio entre elites e eleitores, entre governantes e cidadãos.

Terminando, os regimes democráticos precisam inevitavelmente de elites. Dependem de criação de leis e da sua execução, precisam de avaliação e alteração das mesmas consoante as necessidades da sociedade. A democracia precisa de visão e conhecimento técnico, precisa de processos burocráticos para harmonizar as leis com a realidade, para adaptá-las à vontade popular e as suas necessidades. Este processo é complexo, varia de Estado para Estado, começa a ter falhas profundas em muitos países, mas garante escolhas aos eleitores e aos eleitos, garante democracia sem afundar esse conceito no seu radicalismo. Eu defendo uma democracia completa (política, económica, cultural e cívica), mas nunca uma democracia radical onde a maioria esmaga à minoria, onde a demagogia e as emoções substituem as escolhas racionais e informadas de todos os cidadãos.

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