sol.sapo.ptJoana Andrade - 8 ago. 11:05

A coragem de fazer diferente

A coragem de fazer diferente

A contestação ao fim da FCT é uma pequena amostra do que o Governo terá de enfrentar se quiser realmente implementar as reformas que estão há décadas por fazer. Porque as reformas são sempre consensuais enquanto não passam do papel. Assim que começam a ser postas em prática levantam-se mil e uma vozes contra.

O anúncio da extinção da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) suscitou nos últimos dias muitas e sonoras críticas, como aliás era previsível. Uma investigadora da Universidade de Lisboa falou mesmo em «tragédia». «Está a destruir-se algo de fundamental que pode pôr em causa o financiamento e a gestão excelente que foi feita nos últimos anos», afirmou.
Compreende-se que todos aqueles que beneficiam dos apoios da FCT_estejam preocupados. Nem poderia ser de outra maneira.

Mas terá sido este passo dado de ânimo leve? Ao contrário da impressão que poderia ter resultado da leitura das primeiras notícias e comentários, a FCT não será pura e simplesmente implodida, ficando no seu lugar um enorme vazio. Será substituída por uma nova agência que, segundo o ministro da Educação, permitirá centralizar serviços – o que se espera que melhore o seu funcionamento – e reduzir o número de entidades envolvidas. Os financiamentos passarão a ser feitos a quatro anos, o que traz maior previsibilidade e estabilidade.

Tanto quanto julgo saber, essa era justamente uma das pechas da investigação em Portugal: a FCT não primava pela pontualidade e muitas vezes o atraso dos pagamentos comprometia os projetos.

Mas, como tantas vezes assistimos quando uma figura pública desaparece, os seus defeitos evaporam-se como que por magia e de um dia para o outro torna-se um poço de virtudes.

A contestação ao fim da FCT é apenas uma pequena amostra do que o Governo terá de enfrentar se quiser realmente implementar a reforma do Estado que está há décadas por fazer.
Mesmo quando toda a gente sabe que há problemas e falhas graves por resolver, as mudanças suscitam necessariamente resistências e protestos. Sem esquecer uma outra arma bem conhecida dos agitadores e profetas da desgraça: a arma do medo. Bradam que as consequências serão tremendas e irão arrastar o país para o abismo.

Lembram-se do que foi dito sobre as medidas implementadas por Javier Milei? Não se tem falado muito nisso, mas a Argentina não caiu no abismo:_está a crescer a olhos vistos e a inflação caiu para os valores mais baixos dos últimos anos. O processo não tem sido isento de dor – os remédios às vezes têm um sabor amargo – mas, ao fim de décadas, a Argentina pode finalmente ter rompido com o ciclo vicioso das crises que se sucediam umas às outras.

Luís Montenegro e a sua equipa têm agora de decidir que caminho querem seguir daqui para a frente. Se consideram a reforma do Estado importante para o futuro do país, precisarão de coragem e de firmeza para enfrentar as críticas, romper com o ramerrame e fazer diferente. Se não a consideram importante, ou acharem que não justifica o incómodo, então podem voltar a guardá-la na gaveta.
Porque as reformas são sempre consensuais enquanto não passam do papel. Assim que começam a ser postas em prática levantam-se mil e um entraves e mil e uma vozes contra.

Por isso é sempre muito mais fácil não fazer ondas e deixar tudo na mesma. Mas depois não se queixem.

P.S. Cabe-me nas próximas semanas a honra de dirigir este Jornal até à entrada em plenas funções da nova direção. É um desafio que assumo com confiança e optimismo, por saber que posso contar com uma equipa de uma dedicação única e com leitores de excelência.

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