observador.pt - 9 ago. 12:15
A história da icónica e revolucionária Chanel 2.55, a carteira criada há 70 anos que libertou as mãos das mulheres
A história da icónica e revolucionária Chanel 2.55, a carteira criada há 70 anos que libertou as mãos das mulheres
A primeira carteira Chanel trouxe uma inovação para a época: alças. Lançada numa altura de regresso da maison, a peça faz referências às paixões, traumas e transgressões de Coco Chanel.
Mesmo sem o logótipo do lado de fora, é fácil de reconhecer uma 2.55. A alça de corrente dourada, o padrão geométrico acolchoado, o fecho discreto e as linhas retas fazem desta uma carteira inconfundivelmente Chanel. Esta é considerada a primeira e precursora de alguns dos códigos mais emblemáticos da maison francesa. Mas a peça clássica e atemporal ultrapassa as tendências da moda e representa também as lutas, paixões e traumas de Gabrielle Coco Chanel, lançada num momento de regresso ao auge, aos 70 anos de idade, depois de escapar uma condenação pela associação a oficiais nazi. Da rigidez da infância no convento, ao clima de conflito militar que respirava a Europa nos anos 1940 e 1950, passando pelos muitos amores e pela tão prezada liberdade com que a designer construiu o seu legado, a 2.55 tem tudo. E hoje mais do que um artigo de moda, há quem a considere um investimento.
Gabrielle Coco Chanel abriu a primeira loja no número 21 da rua Cambon, em Paris, em 1910. Na altura, desenhava e produzia chapéus, que rapidamente caíram no gosto de atrizes francesas da época, o que ajudou a criar a reputação do que se tornaria a grande maison. A loja expandiu nos anos seguintes e a designer passou a criar peças de vestuário. Contudo, em 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial, Chanel fechou todas as suas lojas de roupas, mantendo apenas uma boutique em Paris para vender os perfumes e acessórios. Durante a ocupação nazi, a designer permaneceu instalada no Ritz, muito perto do seu apartamento da Rue Cambon. No luxuoso hotel, partilhou o teto com o barão Hans Gunther von Dincklage, elemento sénior dos serviços secretos alemães com quem manteve uma relação amorosa nos anos do conflito. Em 1944, aos 61 anos, Gabrielle foi interrogada em Paris e consequentemente libertada por falta de provas da sua colaboração com as forças nazis. No regresso a casa, terá exclamado para uma sobrinha: “Churchill libertou-me”.
O regresso à moda aconteceria 10 anos depois, a 5 de fevereiro de 1954, com uma nova coleção apresentada à imprensa internacional na antiga maison de couture — coordenados em jersey, peças com bolsos, vestidos e casacos a combinar e propostas para o dia e a noite. Mas ainda não tinham sido apresentadas carteiras.
Anteriormente, entre os anos 1920 e 1940, a Chanel já fazia algumas clutches em tecido, nas quais era possível vislumbrar pistas do que viria a ser a criação icónica de 1955. Em 1929, inspirada pelas mochilas militares, Gabrielle Coco Chanel deu um passo revolucionário ao adicionar alças às carteiras. “Estava farta de segurar as minhas carteiras nas mãos e as perder, então pus alças”, desabafou na altura. Um ano depois, uma peça em lã cinza, que está no acervo do Metropolitan Museum, em Nova Iorque, parecia antecipar o padrão criado com as costuras e acolchoados na pele. De acordo com a Vogue, em 1933 a Chanel já produzia carteiras com correntes douradas — mas foi só em 1955, mais precisamente em fevereiro, que aquela que é considerada “a primeira carteira Chanel” seria oficialmente lançada, um ano depois do regresso triunfante da maison à Paris.
Numerologia e referências à infância no convento e ao passado amorosoA carteira recebeu o nome 2.55, do mês e ano em que foi lançada. Entretanto o número pode ter ainda mais um significado. Chanel acreditava em numerologia, principalmente no “poder” do número 5, afinal era o número do seu signo no zodíaco, que era leão. Por esse motivo a designer costumava lançar coleções no dia 5 e deu ao seu primeiro perfume o nome “Chanel No.5.” Já o 2, para além do mês, representava simetria e harmonia.
A peça veio para complementar a coleção lançada em 1954 que tinha como mote a “funcionalidade”, e neste campo as alças foram mesmo a principal inovação — ou melhor, revolução. Com a possibilidade não só de pendurar nos ombros mas também de ajustar a altura e trespassar pelo corpo, Chanel libertou as mãos das mulheres, assim como já o tinha feito anteriormente com as silhuetas. Entre os motivos para a designer querer ter as mãos livres pode estar o hábito de fumar, mas também o de cuidar da aparência — Chanel terá incluído um bolso para guardar batons na primeira versão da carteira.
Diz-se que a designer inspirou-se nas malas e mochilas militares, mas também nas correntes onde as freiras carregavam as suas chaves — Gabrielle Chanel viveu parte da sua infância num convento em Aubazine, tendo sido enviada para a instituição depois da morte da mãe, em 1985. Outra referência às religiosas está no forro da carteira, que é bordô assim como as fardas das cuidadoras do orfanato, ou como o interior de uma igreja na vila de Issoire, onde cresceu. Uma curiosidade é que na parte interior há um bolso secreto protegido com um fecho éclair, alegadamente desenhado por Coco Chanel para guardar cartas de amor.
As paixões da vida da designer também serviram, como é de se esperar, para inspirar as suas criações. As carteiras eram feitas numa pele macia, habitualmente usada para fazer luvas, com os icónicos acolchoados geométricos, em forma de diamante. O desenho poderá ser inspirado pela forma das janelas do convento de Aubazine, pelos uniformes dos soldados, pelas almofadas da suíte do Ritz de Paris ou pelos casacos de equitação — um hobby que Coco Chanel adquiriu em 1910 através de Étienne Balsan, herdeiro do ramo têxtil e apaixonado por cavalos, que a ensinou a cavalgar no Château de Royallieu durante os anos em que a designer foi a sua amante. O facto de nunca se ter casado também está referenciado na peça, através do fecho “Mademoiselle”, um sistema desenhado por Chanel para ser simples e elegante.
As homenagens de Lagerfeld e as carteiras como “investimento”Quando assumiu a Chanel em 1983, Karl Lagerfeld lançou a Classic Flap ou a 11.12, como o código de referência A0112, apesar de que os números somados individualmente resultam numa outra homenagem à criação de Coco. Esta é uma nova versão da 2.55, que muda alguns detalhes: introduz o fecho com o logótipo de duplo C e a tira de pele entrelaçada na alça de corrente. A aba levemente arredondada recebeu a alcunha de “sorriso da mona Lisa” no atelier em Verneuil-en-Halatte, onde as carteiras Chanel são confecionadas por cerca de 300 artesãos. No aniversário de 50 anos da 2.55, Lagerfeld relançou o modelo original e hoje os dois clássicos são vendidos pela maison francesa.
O legado de Coco Chanel vê-se também em outro modelo icónico da marca criado posteriormente, sob a alçada de Lagerfeld. A Chanel Boy foi lançada em 2011 e mantém o acolchoado geométrico, a alça de corrente e o fecho com o duplo C, mas traz um design mais volumoso e uma alça extra de pele para apoiar o ombro. A carteira é inspirada nas qualidades “masculinas” da designer, que gostava de desporto e vestir-se de forma simples, mas também no nome de quem pode ter sido o grande amor de Coco. Aos 25 anos a fundadora da Chanel conheceu Arthur Boy Capel, um aristocrata inglês jogador de polo e com quem viveu um romance. “O rapaz era bonito, muito bronzeado e atraente. Mais do que bonito, era magnífico. Adorava a sua indiferença e os seus olhos verdes […] Apaixonei-me por ele”, lê-se nas suas memórias. Permaneceram juntos durante cerca de uma década.
Em setembro de 2024 a marca levou à passarelle da Paris Fashion Week um modelo novo, mais jovem e trendy, mas com o ADN Chanel. A carteira Chanel 25 mantém o acolchoado, a alça de corrente dourada e a fivela com o logótipo, mas tem um estilo cargo e muitos bolsos exteriores. A campanha de lançamento usou os rostos de duas estrelas da geração Z, as cantoras Dua Lipa e Jennie Kim, do grupo de K-pop Blackpink.
Uma carteira Chanel como investimentoQuando a 2.55 foi lançada, em 1955, era vendida por aproximadamente 190 euros, de acordo com a Sotheby’s. Mais de 20 anos depois, na década de 1980, quando Lagerfeld lançou a Classic Flap, o preço já rondava os 850 euros. Atualmente uma Chanel 2.55 nova custa 10.800 dólares, ou pouco mais de 9300 euros.
Contudo, comprar uma diretamente da loja não é uma tarefa fácil, mesmo se tiver o dinheiro disponível. É que, assim como artigos como a Birkin, da Hermès, as peças têm produção limitada e alta demanda. Além disso, a Chanel não costuma criar listas de espera (no caso da Birkin há pessoas que aguardam para comprar uma há anos). Por isso colecionadores e fãs de carteiras recomendam visitar as boutiques com frequência e pegar o contacto de um vendedor para estar a par quando as novas coleções chegarem à loja. Os que não quiserem esperar, podem encontrar carteiras vintage em sites de venda em segunda mão, porém os preços devem ser parecidos aos praticados em loja.
Isso porque os valores das carteiras Chanel dispararam nos últimos cinco anos. Desde 2016 que a maison atualiza os preços pelo menos uma vez por ano, e, atualmente, a política da empresa é revisar os valores semestralmente, sendo que no último ano o reajuste esteve entre 5 e 8%. As crises financeiras ou a pandemia provocaram um aumento nos custos dos materiais e da mão de obra, porém a análise da Sotheby’s é de que o crescimento na procura associado à produção artesanal fazem com que uma carteira Chanel seja também um investimento. Com as taxas de reajuste atuais, um modelo de tamanho médio pode alcançar os 17 mil euros em menos de cinco anos. Devido à procura tão intensa, as carteiras Chanel usadas na década de 1990 (e compradas na altura por cerca de mil euros) também chegam a custar mais de 5 mil euros no mercado de leilões. A prova de que, 70 anos depois, a Chanel 2.55 não só resiste ao teste do tempo mas ganha cada vez mais valor.