Gonçalo Morais - 9 ago. 12:45
Da guerra legítima ao genocídio
Da guerra legítima ao genocídio
Nem Israel nem o Hamas apoiam a solução dos dois Estados. O ódio de parte a parte sobrevive intacto. Porque perdem tempo com essa ilusão dos dois Estados?
Regozijo-me com a existência do Estado de Israel. Tenho uma admiração enorme pelos judeus. Tenho até a ‘teoria’ de que, se retirássemos o seu contributo, estaríamos ainda hoje na Idade Média. Com efeito, foram decisivos para o progresso do Ocidente em praticamente todos os domínios: na música, na pintura, na literatura – que saudades da Mitteleuropa! -, na ciência, na finança, no comércio, na indústria. Israel tem direito à sua existência, e nem todos os muitos pogroms que sofreu em épocas passadas demoveram os judeus a abdicar. É um povo de resistentes.
Tudo começou no 7 de Outubro de 2023. O Hamas, grupo terrorista que ‘governava’ Gaza, assaltou selvaticamente uma festa que estava a decorrer do lado de lá da fronteira com Israel. Os assaltantes mataram nada menos do que mais de 1000 pessoas e, que trunfo fantástico para o futuro, sequestraram 251 pessoas – ainda hoje umas cinquenta ainda se encontram reféns à guarda do Hamas; possivelmente já estão todas mortas. Israel reagiu com a brutalidade que se exigia: desatou a bombardear Gaza – escolas, hospitais, edifícios civis, etc. – e iniciou uma verdadeira caça ao Hamas. Hamas que tinha cavado quilómetros de túneis onde se acobertava, e que era preciso descobrir e destruir. Tarefa dificílima, que obrigou a bombardear indiscriminadamente. Gaza não tardou a transformar-se numa montanha de destroços e escombros.
Por entre os escombros deambulavam, desesperados, centenas de milhares de palestinos que perderam o tecto e todos os seus haveres. Israel tentou (?) orientar essa população sem rumo. Primeiro mandou-os caminhar para o Sul, onde, alegadamente, estariam mais seguros; passado pouco tempo surgiu nova directiva reencaminhando-os para o Norte. Era impressionante ver aquela mole de gente deslocar-se sem água, comida, electricidade, dormindo ao relento, e sempre dominada pelo terror da aviação israelita. Confesso que não consigo imaginar o que é aguentar tanta dor, tanto sacrifício, tanta indiscriminação.
Os meses foram passando, sem que a determinação israelita de liquidar o Hamas abrandasse. E sem que a determinação do Hamas de destruir Israel também esmorecesse. Começou, em Gaza, a espalhar-se a fome e a sede, mas sobretudo a fome. A ONU e várias organizações humanitárias organizaram comboios de assistência alimentar. Fixaram-se pontos de distribuição de comida. Os famintos acorriam a esses pontos munidos de recipientes miseráveis, e esmagando-se uns aos outros na ânsia de que qualquer colherada caísse nos seus potes. É um espectáculo trágico, faz doer a alma. Em determinado momento, vá-se lá saber porquê, as autoridades israelitas proibiram a entrada em Gaza dos camiões humanitários. A fome lavrou então como nunca. As imagens que podemos ver de crianças subnutridas, criaturas feitas de ossos revestidos com pele, são pungentes e inesquecíveis. Começou o genocídio. Israel perdeu a autoridade moral que os judeus tinham conquistado com o Holocausto. Os nazis aplaudiriam o extermínio da população palestina.
Recentemente, há menos de um mês, voltou à baila, com grande entusiasmo, o tema dos dois Estados. Digo que voltou, porque em 1993 houve uma reunião em Oslo da qual saíram uns acordos – os acordos de Oslo. Os participantes eram nada menos do que Clinton, presidente dos EUA, Isaac Rabin, representante de Israel e Arafat, Presidente da OLP (Organização para a Libertação da Palestina). Deste acordo saiu uma «Declaração de princípios sobre as disposições relacionadas com um governo autónomo provisional». Estabelecia-se também que haveria um prazo de cinco anos para negociar um acordo de paz permanente e a criação de uma Autoridade Nacional Palestina (ANP) dotada de um conselho legislativo palestiniano – um embrião de Estado, portanto.
Décadas depois, nem Israel nem o Hamas apoiam a solução dos dois Estados. O ódio de parte a parte sobrevive intacto. Porque perdem tempo com essa ilusão dos dois Estados?