publico.pt - 9 ago. 07:50
Viver no interior paga-se em dinheiro, recebe-se em afectos
Viver no interior paga-se em dinheiro, recebe-se em afectos
Adérito Cavaco ao “volante” de uma empresa internacional de camionagem, na serra algarvia.
Por mais voltas que a roda dê, é na Cortelha que Adérito Cavaco vai parar. Lá do alto, na serra do Caldeirão - em contramão aos que procuram o litoral para residir - o empresário dirige um negócio internacional de camionagem de carga e uma outra empresa de distribuição de bebidas a nível nacional. Nasceu, há 70 anos, a ouvir cantar o galo pelo despertar da madrugada. Os sons e os cheiros da terra continuam a entrar pela janela do seu escritório, com vista para a Estrada Nacional – a antiga estrada Lisboa/Algarve. Manter o centro de decisão das firmas, com um volume de negócios de mais de 20 milhões de euros, longe das grandes cidades e da orla marítima, reconhece, tem custos acrescidos. “Mas há valores que não têm preço”, diz, salientando o lado afectivo. “Tenho aqui as minhas raízes”.
“O que bebem?”, perguntou, quando o PÚBLICO o foi encontrar atrás do balcão de uma barraca, na última edição da festa da Espiga em Salir. “Estou de serviço”, respondeu. Quem o conhece de perto, como José Francisco, descreve: “O Adérito é mesmo assim, quando é preciso ajudar, ele está lá - poucas falas, trabalho e grandes causas”. Nos primeiros anos que se seguiram ao 25 de Abril, evoca, quis logo colocar “Cortelha no mapa”. Por sua iniciativa e mais um grupo de rapazes, nasceu o “ Motocross da Cortelha”,- evento que se mantém, com projecção internacional. “Não sei como é que nós fomos levados a sério - eu era o mais velho, e nem 20 anos tinha”, evoca. A seguir, entra na direcção da Associação Amigos da Cortelha, e mantém a mesma a postura: “ser solidário”, num território cada vez mais despovoado.
O pai, Manuel Joaquim Cavaco, conhecido pelo “senhor Cavaco”, das Scanias (alusão à primeira marca de camiões) da empresa - União de Camionagem de Carga - Algarve, foi quem passou ao filho o “gosto pela camionagem”. Aos 18 anos, Adérito Cavaco já conduzia veículos pesados. “Cheguei a estar quatro a cinco dias fora de casa”, recorda. Se um motorista tinha uma dor de dentes, ou não podia trabalhar por qualquer outro motivo, “quem fazia a distribuição era eu ou o meu pai”. Pela Europa fora, actualmente, rodam duas dezenas de camiões TIR da sua empresa, a que se soma mais 150 carrinhas e camiões de distribuição em território nacional. “Enquanto eu puder é aqui, na Cortelha, que manteremos a sede das empresas”. Porém, admite, os seus dois filhos - Susana e Hugo - que já integram a gestão das firmas “provavelmente, não vão resistir” ao apelo da cidade.
Medalha de ouro, pela defesa do CaldeirãoNa última edição do “dia da cidade” de Loulé, o município distinguiu a Associação de que faz parte, com a “medalha de ouro”, pelos serviços prestados em prol da defesa dos valores e tradições do interior algarvio. Mas, nem sempre, Adérito Cavaco encontrou caminho fácil para apoiar as gentes serranas. A instalação do aterro sanitário intermunicipal do sotavento algarvio, na bacia hidrográfica do Guadiana, levou o empresário a saltar para a dianteira dos protestos públicos.
“A Câmara de Loulé argumentava que uma lixeira até era um pólo de desenvolvimento”. Como medida compensatória, o ministério do Ambiente e autarquia levaram água e esgoto à população serrana. “Ofereceram uma chouriça a quem deu o porco”, responderam os populares, lembrando que a serra recebe 50 camiões/dia do lixo produzido no litoral. O aterro, inaugurado em 1988, continua a ser foco de contestação.
O ex-director clínico do Hospital de Faro, Horácio Guerreiro - outro dos “filhos da terra” que deu voz aos protestos contra a instalação do equipamento, recorda: “O governo da altura, com José Sócrates em secretário de Estado do Ambiente, queria enfiar a lixeira, mesmo junto às populações, entre o Barranco Velho e a Cortelha”. Após a consulta pública, o equipamento foi desviado mais para o coração da serra “Propusemos que houvesse uma “taxa verde” por cada tonelada de lixo depositada em aterro, para financiar a reflorestação”. Não foi aceite.