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Deuses, pátrias e famílias

Deuses, pátrias e famílias

Enquanto não passarmos o slogan fascista para o plural, respeitando a existência de vários deuses, pátrias e famílias, ele vai ser manter como um tripé que sustenta o ódio à diferença.

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Cunhado pelo fascismo italiano, o lema "Deus, pátria e família” foi replicado por movimentos e governos de extrema-direita, como o Integralismo no Brasil e o Estado Novo em Portugal. No nosso século, ele ressurge entre adeptos de uma nova Internacional Fascista. Mas de que Deus, de que pátria, de que família se trata?

Se há uma família no mito de origem do Brasil, ela tem um pai português e uma mãe indígena ou africana. E essa miscigenação não oculta a violência colonial que dizimou famílias e nações. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) analisou o genoma de milhares de brasileiros e verificou que, no DNA mitocondrial (herdado da mãe), predomina a ancestralidade indígena ou africana, e no DNA do cromossomo Y (herdado do pai), predomina a ancestralidade europeia.

Para os pesquisadores, os dados atestam a prática recorrente de acasalamentos entre homens europeus e mulheres indígenas ou africanas, resultantes de atos sexuais não-consentidos, somados à mortandade de homens que se insurgiam contra a colonização.

No Brasil atual, a família sob os holofotes é a família Bolsonaro. Após se tornar inelegível pela prática de crimes eleitorais, o patriarca virou réu num processo por tentativa de golpe de Estado, com o plano de matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Suprema Corte Alexandre de Moraes.

Nesta semana, o ministro decretou a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, depois que o réu descumpriu medidas cautelares, com a cumplicidade do filho, o senador Flávio Bolsonaro. Nos Estados Unidos, seu outro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, faz lobby para que o governo norte-americano mantenha tarifas comerciais abusivas contra o Brasil, como forma de chantagem pela libertação do pai.

Há uma ética mafiosa nessa trama que sequestra a coisa pública (Res Publica) em prol da coisa privada (a cosa nostra dos Bolsonaro). Em reação à prisão de Jair, parlamentares bolsonaristas obstruíram os trabalhos no Congresso, exigindo anistia aos golpistas que ameaçaram a democracia brasileira entre 2022 e 2023. Os supostos patriotas agora pedem a Deus para Donald Trump invadir seu país, situando os interesses da família acima da segurança da pátria.

Em Portugal, o deputado André Ventura defende que o ministro Moraes tenha a entrada proibida no país, como ocorreu nos EUA. Embora associado à ditadura, o bordão “Deus, pátria e família” encontra ressonância entre eleitores de Ventura. Mas sua concepção de família exclui as crianças, cujos nomes o deputado expôs no Parlamento, assim como as que serão afastadas dos pais por empecilhos impostos ao reagrupamento familiar no pacote anti-imigração. São crianças sem alma, como se dizia dos indígenas e africanos que adoravam outros deuses, catequisados pelos jesuítas na gênese da pátria brasileira.

Enquanto não passarmos o slogan fascista para o plural, respeitando a existência de vários deuses, pátrias e famílias, ele vai ser manter como um tripé que sustenta o ódio à diferença e a crise das democracias.

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