Observador - 10 ago. 00:15
Banhos e Sonhos
Banhos e Sonhos
Existe uma ligação entre cantar no banho sem testemunhas e uma sociedade decente.
Cantar no banho encoraja a percepção de que sabemos cantar. O eco e os espelhos aumentam o que há a aumentar; o som da água a correr diminui o que há a diminuir; e fechamos os olhos, por causa dos sentimentos poderosos. Quando o banho acaba, a percepção cessa. Abrimos a porta e vamos à nossa vida numa nuvem de vapor, com um ar de cão molhado, como se tivéssemos acabado de sonhar um belo sonho.
Os sinais infalíveis das sociedades indecentes são a crença em sonhos colectivos e a prática de banhos comunitários; e os piores sonhos colectivos emergem de banhos comunitários, como no desporto, no campismo e na antiguidade.
O balneário é a forma mais antiga da indecência política. É uma gónada sem portas nem janelas, onde grupos de pessoas de passagem elogiam as suas proezas colectivas e planeiam realizar proezas colectivas. Num balneário todos se metem nas vidas das outras pessoas do balneário. O seu oposto político é a casa de banho. Na casa de banho oferece-se a oportunidade para exprimir talentos que não dependem do reconhecimento de terceiros.
Raramente se dorme na casa de banho; mas ter um sonho não requer que se esteja a dormir. Por necessário que o sono seja, a sua utilidade não depende da ocorrência de imagens ou de desejos. O único requisito para ter um sonho é o requisito mais importante de uma sociedade decente: que nem sempre haja testemunhas para o que se passa connosco; e que as nossas percepções sobre nós contem um pouco, embora durante períodos limitados. Não há portanto motivos para que não se deva sonhar em voz alta, debaixo do chuveiro.