publico@publico.pt - 9 ago. 09:21
Pode a Saúde salvar um governo?
Pode a Saúde salvar um governo?
Num caso semelhante a muitas notícias que ouvimos todos os dias sobre o estado da saúde em Portugal, pode o modelo inglês servir de inspiração para uma transformação a médio e a longo prazo do SNS?
“Fit for the Future” ou traduzindo para português “Apto para o futuro”. Este é o nome da revolução anunciada para a saúde em Inglaterra. Apresentado recentemente pelo Governo liderado por Keir Starmer, este ambicioso plano pretender transformar o serviço nacional de saúde inglês (NHS - National Health Service) através de três grandes mudanças: do hospital para a comunidade, do analógico para o digital e da doença para a prevenção.
Num primeiro ano bastante difícil, marcado pela estagnação económica, a instabilidade a nível internacional e o crescimento de uma oposição populista, a saúde surge como mais um factor de crítica ao Governo britânico. Os últimos dados apontam para as dificuldades da população em ter uma consulta com o médico de família; um aumento exponencial das listas de espera para cuidados hospitalares; recursos humanos desmoralizados e desmotivados e resultados em saúde em doenças graves, como por exemplo, o cancro, a ficarem bastante aquém de outros países europeus.
E se a leitura do parágrafo anterior parece muito próxima da situação em Portugal, esta não é a única semelhança entre países. O financiamento do NHS é idêntico ao caso português, correspondendo a sistemas de saúde onde o financiamento provém sobretudo dos impostos pagos pela população. Assentam ambos no fornecimento de cuidados de saúde universais, gratuitos no momento de utilização e focados nas necessidades clínicas da população, em vez da capacidade de pagamento de cada indivíduo.
Convém por isso perceber em que consiste esta transformação radical do NHS. Starmer pretende uma mudança dos cuidados de saúde dos hospitais para cuidados de proximidade, aumentar o foco na prevenção e garantir uma melhor utilização da tecnologia ao serviço da saúde, considerando que esta reforma a dez anos é a última oportunidade de trazer o serviço de saúde "de volta ao normal".
Em relação à tecnologia, uma das medidas anunciadas é a intenção de cada utente ter um “médico no seu bolso”. O objetivo passa por tornar a aplicação do NHS o principal recurso para os cidadãos, para processos burocráticos, como o agendamento de consultas, pedidos de receitas médicas e encaminhamento de doentes para os cuidados de saúde mais próximos.
No tema da proximidade de cuidados, foi anunciada a criação de cerca de 50 novos “centros de saúde de bairro” até ao final da legislatura e mais 300 até 2035. Assim, pretende-se transferir os cuidados prestados nos hospitais cada vez mais sobrelotados, para centros de saúde locais que contam com equipas compostas por médicos de medicina geral e familiar, enfermeiros, farmacêuticos, especialistas em saúde mental e outros profissionais de saúde. Estes centros deverão funcionar 12 horas por dias, seos dias por semana, de acordo com o governo. Resta, no entanto, perceber de onde provém o financiamento da nova rede e de onde virão os profissionais de saúde.
Na área da prevenção, o principal objetivo é um ambicioso plano para acabar com a epidemia da obesidade, num país onde em 2022-2023, 64% dos adultos tinham excesso de peso ou eram obesos.
Serão criados "pontos digitais do NHS" para as pessoas que melhorarem a sua dieta ou atingirem objetivos de exercício, de forma a que os cidadãos que caminham mais ou que compram alimentos mais saudáveis possam ganhar pontos para trocar por vouchers para utilizarem em supermercados e restaurantes. O acesso a terapêuticas para a obesidade vai também ser alargado no âmbito do NHS. .
O “Fit for the Future” é sem dúvida ambicioso e demonstra uma das últimas tentativas de resgatedo NHS. O Governo de Starmer tenta que este plano a dez anos seja o desfibrilhador que permita salvar a vida do serviço nacional de saúde inglês e quem, consequentemente, aumente os anos de vida do seu Governo.