observador.ptobservador.pt - 14 ago. 16:53

Morreu Mário Martins, o produtor que revelou José Cid, Marco Paulo, Carlos Paião e Rui Veloso

Morreu Mário Martins, o produtor que revelou José Cid, Marco Paulo, Carlos Paião e Rui Veloso

Mário Martins foi o responsável pelo lançamento de artistas como Carlos Paião, José Cid, Marco Paulo e Rui Veloso. O produtor discográfico residia na Casa do Artista.

O produtor discográfico Mário Martins morreu esta quinta-feira, aos 90 anos, numa unidade hospitalar em Lisboa, disse à agência Lusa fonte da Casa do Artista, onde residia.

Mário Martins marcou o século XX português ao ser responsável por dar a conhecer músicos como Carlos Paião, José Cid, Marco Paulo e Rui Veloso.

Nascido em Lisboa, em 1934, Mário Martins incentivou também artistas como Lara Li, Paco Bandeira e José Alberto Reis, de quem se tornou amigo.

O produtor discográfico privilegiou sempre “o lado profissional, mas houve casos em que se construiu uma amizade”, como disse numa entrevista à agência Lusa na década passada, dando como exemplo a declamadora Maria Germana Tânger, o músico José Cid, que sempre o convidava para assistir aos seus espetáculos, e o cantor José Alberto Reis.

Com Maria Germana Tangêr (1920-2018), Mário Martins iniciou uma série de gravações discográficas de poesia portuguesa, numa coleção que inclui álbuns com poemas ditos pelos seus autores, como David Mourão-Ferreira (1927-1996) ou Mário Cesariny (1923-2006).

“[No caso do] Rui Veloso foi a mãe que marcou comigo e veio de comboio do Porto até Lisboa, e deu-me a ouvir uma cassete do filho, para dizer se achava se tinha ou não futuro”. A resposta foi “sem sombra de dúvida que sim, e a carreira dele fala por si”, contou à agência Lusa.

Mário Martins referiu “o seu dedo” direto em êxitos como “Somos Livres”, de Ermelinda Duarte, que “insistia em não gravar e depois foi um sucesso retumbante”, “Vinte Anos”, pelo grupo Green Windows, do qual faziam parte José Cid, Vítor Mamede e Mike Sergeant, entre outros, ou no álbum “O Nazareno”, de Frei Hermano da Câmara, que contou as participações de Amália Rodrigues e Mara Abrantes, entre outros, e ao qual se referiu como a sua “mais complexa produção, mas que valeu a pena”.

Mário Martins foi durante cerca de 30 anos responsável pelo departamento de Artistas e Reportório (A&R) da editora discográfica Valentim de Carvalho, onde começou a trabalhar em 1966, a convite de João Belchior Viegas, agente artístico de Amália Rodrigues.

Graças à sua intervenção, Amália Rodrigues — a quem Mário Martins se referia como “o verdadeiro milagre português” — gravou, em 1982, “O Senhor Extraterrestre”, de Carlos Paião (1957-1988), artista que passou a constar do catálogo da Valentim de Carvalho.

Mário Martins desenvolveu também a faceta de poeta e escreveu para Amália, mas a sua timidez impediu-o de mostrar o poema à fadista e foi gravado por Beatriz da Conceição, em 1967, “porque faltava um tema para fechar o disco”.

“Tive vergonha em mostrar à Amália, ela cantava David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Mello, Alexandre O’Neill, e quem eu era ao pé destes grandes poetas? Ninguém”, afirmou à Lusa.

Ministra da Cultura lembra produtor de “grande sensibilidade”

A ministra da Cultura, Juventude e Desporto lamentou a morte de Mário Martins, lembrando o produtor discográfico “que, com grande sensibilidade, lançou vários nomes grandes da música portuguesa”.

Numa publicação na rede social X, a ministra Margarida Balseiro Lopes enviou ainda “condolências à família, amigos e todos os artistas que com ele trabalharam nas últimas décadas”.

Morreu Mário Martins, o produtor discográfico que, com grande sensibilidade, lançou vários nomes grandes da música portuguesa. As minhas condolências à família, amigos e todos os artistas que com ele trabalharam nas últimas décadas.

— Margarida B Lopes (@margaridalopes) August 14, 2025

José Cid recorda produtor Mário Martins como figura “fulcral” na música portuguesa

O músico José Cid recordou o produtor discográfico Mário Martins como uma figura “fulcral” na música portuguesa, pelo apoio que deu a muitos artistas.

“Ele é fulcral na música portuguesa, deu muitos apoios a muitos colegas e à minha pessoa, então, foi incondicional”, afirmou José Cid, em declarações à Lusa.

A voz de temas como “Cai Neve em Nova Iorque”, “A Minha Música” e “Ontem, Hoje e Amanhã”, lembrou que Mário Martins “produziu muitos, muitos, muitos artistas, que ajudou”.

“Nos anos 1960 eu tinha a maior das dificuldades em entrar em qualquer editora portuguesa. É o Mário Martins que me abre os braços e me coloca, num lugar prioritário até, na Valentim de Carvalho, onde era diretor artístico”, recordou José Cid.

O produtor foi “defensor acérrimo” da criatividade do músico, tendo mesmo “lutado muitas vezes, até na própria editora, contra algumas opiniões contrárias”.

“Foi uma pessoa que esteve ao meu lado incondicionalmente. Depois, o nosso relacionamento foi sempre de grande amizade. O Mário Martins era um homem muito inteligente, muito culto. Um bocadinho, às vezes, divertidamente sarcástico”, partilhou.

[Um homem desobedece às ordens dos terroristas e da polícia e entra sozinho na embaixada. Momentos depois, ouve-se uma enorme explosão“1983: Portugal à Queima-Roupa” é a história do ano em que dois grupos terroristas internacionais atacaram em Portugal. Um comando paramilitar tomou de assalto a embaixada turca em Lisboa e uma execução sumária no Algarve abalou o Médio Oriente. É narrada pela atriz Victoria Guerra, com banda sonora original dos Linda Martini. Ouça o quarto episódio no site do Observador, na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube MusicE ouça o primeiro episódio aqui, o segundo aqui e o terceiro aqui]

Entre as várias vedetas com quem trabalhou, o produtor realçou o profissionalismo da cantora Maria Clara (1923-2009): “O incêndio no Chiado [em Lisboa, em agosto de 1988], destruiu parte dos arquivos da Valentim de Carvalho e decidiu-se voltar a gravar alguns temas que se tinham perdido. A Maria Clara aceitou gravar alguns dos seus êxitos, décadas depois da sua primeira gravação, veio do Porto, acompanhada pelo marido, chegou pontualmente e cantou maravilhosamente afinada e com aquela voz clara, uma grande profissional”.

Na conversa com a Lusa, Mário Martins realçou a dificuldade em gerir artistas e escolher repertórios adequados à voz e às ambições de cada um.

Quando conheceu António Variações (1944-1984), apresentado pelo jornalista Luís Vitta (1945-2015), Martins reconheceu-lhe o talento, mas projetou para o cantor um repertório com base no folclore, área que conhecia bem, pelas várias gravações que efetuou com o poeta Pedro Homem de Mello (1904-1984), em diferentes regiões do país.

A Mário Martins se deveu o sucesso de Marco Paulo (1945-2024), cujo repertório inclui algum material original, mas é essencialmente composto por versões portuguesas de autoria de António José Lampreia (1929-2003) para composições estrangeiras. Depois da morte de António José, foi Mário Martins quem passou a responsabilizar-se pelas versões em português do intérprete de “Eu Tenho Dois Amores” (António José/Georges Hatzinassios).

Mário Martins produziu discos de Luís Goes, Fafá de Belém, Nuno da Câmara Pereira, Paco Bandeira, Carlos Paião, José Cid, Júlio Pereira, Jorge Palma, Grupo de Cantares de Manhouce, Alexandra, José da Câmara, Maria Teresa de Noronha e Lucília do Carmo.

Além do seu trabalho na Valentim de Carvalho, colaborou com a apresentadora de televisão Teresa Guilherme, na RTP e, mais tarde, foi convidado pelo realizador televisivo José Nuno Martins, para fazer um programa de sua autoria na RTP.

Na TVI foi o autor e apresentador do programa “Fado Fadinho” (1993), pelo qual recebeu um Prémio Bordalo.

Em 1993, saiu da Valentim de Carvalho para a Movieplay Portuguesa, onde coordenou a série “O Melhor dos Melhores” (1994), que reuniu êxitos de cerca de 100 artistas nacionais.

Nesta discográfica produziu, entre outros, o disco “O Outro Lado do Fado” (2005), de Lenita Gentil, que recebeu, em 2006, o Prémio Amália Rodrigues para Melhor Álbum do Ano.

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