eco.sapo.ptÓscar Afonso - 14 ago. 13:24

Transformar o conhecimento em mais inovação e valor

Transformar o conhecimento em mais inovação e valor

É tempo de alinhar melhor os objetivos da política científica com os da política económica, reforçando a missão de transformar conhecimento em valor.

A ligação entre ciência e resultados da inovação é um tema que entrou na agenda política recentemente, no âmbito da reforma do Ministério da Educação, Ciência e Inovação, sobre a qual apenas deixei alguns apontamentos breves na crónica da semana passada, pois a informação conhecida é ainda escassa. Será preciso demonstrar que a criação da nova Agência para a Investigação e Inovação (AI²) – a fusão entre a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e a Agência Nacional de Inovação (ANI), que já gerou alguma contestação – contribuirá para “transformar o investimento científico em melhorias reais para o bem-estar da sociedade e da economia”, como sustentou o governo. Não será uma mera alteração de orgânica que o conseguirá, mas admito que, se trouxer também uma mudança de filosofia, possa haver benefícios.

Nessa crónica foco-me no diagnóstico subjacente, de que é preciso transformar o conhecimento gerado pelo sistema científico e tecnológico (SCT) em mais inovação e um maior valor económico. Confirmo que esse diagnóstico é correto com base nos resultados para Portugal do mais recente Relatório Europeu de Inovação (European Innovation Scorboard 2025, EIS 2025), divulgado em julho pela Comissão Europeia.

Eco(sistema) de inovação; conhecimento, inovação e resultados científicos e económicos associados

Antes de analisar esse relatório, deixo apenas uma breve descrição do contexto em que se desenrola o processo de inovação, para que se possa perceber melhor os resultados do EIS 2025.

O ecossistema de inovação é constituído por diferentes elementos interligados, tradicionalmente organizados no modelo da tripla hélice, que abrange governo, setor empresarial e academia. A esta configuração juntou-se, posteriormente, a sociedade civil – onde se incluem os meios de comunicação e a dimensão cultural, no contexto da sociedade da informação e da economia do conhecimento –, originando o modelo da quádrupla hélice. A evolução mais recente acrescenta uma quinta hélice: o meio ambiente, incorporando as exigências da transição climática alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas e com as políticas da União Europeia (UE), que influenciam a afetação dos fundos estruturais e de investimento europeus.

  • Considerando o papel de cada elemento nesse modelo de quíntupla hélice, as universidades e centros de investigação (primeira hélice) têm como missão gerar conhecimento — investigação fundamental ou aplicada — e formar recursos humanos qualificados.
  • O setor empresarial (segunda hélice) transforma esse conhecimento em inovação prática, convertendo ideias em produtos e serviços com valor de mercado (comercializáveis).
  • Por sua vez, o governo (terceira hélice) assegura condições propícias através de políticas públicas, regulamentação adequada, financiamento e infraestruturas que sustentem a atividade inovadora.
  • A sociedade civil (quarta hélice) desempenha um papel determinante ao representar os utilizadores finais, fornecendo feedback e orientando a procura, o que reforça processos de inovação aberta e colaborativa.
  • Por fim, o meio ambiente (quinta hélice) surge como um motor adicional, gerando oportunidades para novas soluções tecnológicas e sustentáveis que respondam aos desafios da transição climática.

A sinergia entre todas estas hélices é fundamental para que o sistema de inovação seja dinâmico e eficaz. O ecossistema de inovação é o resultado das interações efetivas que se estabelecem entre os agentes em concreto dentro do sistema de inovação formal (planeado e hierárquico), ou seja, as relações e interações (orgânicas, informais e colaborativas) que se estabelecem na prática, de uma forma simplificada.

O conhecimento (teórico e prático) e a investigação — tanto fundamental como aplicada — constitui o alicerce essencial da inovação. A investigação e desenvolvimento (I&D) representa um dos principais mecanismos (embora não o único) para converter o conhecimento em inovações, que podem ser incrementais ou disruptivas. Para tal é preciso investir em atividades de I&D – conduzidas dentro ou fora das organizações – e iniciativas complementares (despesa de inovação não I&D), incluindo a necessária para a colocação e promoção dos eventuais produtos e serviços inovadores no mercado.

Enquanto as grandes empresas têm recursos para conduzir internamente processos de I&D formais (mais nuns setores do que noutros) – muitas vezes em articulação com a academia e centros de inovação –, estando assim mais perto de inovações impactantes (ou mesmo disruptivas), as empresas de menor dimensão tendem a desenvolver processos mais informais (inovação não I&D) conducentes a inovações incrementais e de menor impacto, ou então a aceder a ativos intelectuais de outros (como pagar licenças de utilização de uma dada tecnologia) ou mesmo subcontratar I&D desenvolvida externamente. De notar que a I&D formal requer uma cultura organizacional orientada para a inovação sistemática e recorrendo a metodologias próprias, justificando também que não seja acessível a qualquer empresa.

Isto não significa que não haja empresas de pequena dimensão com processos de I&D – há imensos casos de startups de base tecnológica, mesmo em Portugal –, com destaque para as apoiadas por capital de risco, mas tenderão a ser a exceção que confirma a regra, sobretudo em países com um perfil de especialização pouco intensivo em conhecimento e tecnologia, como Portugal (mas abaixo apresento resultados nesse sentido), em que o tecido empresarial é dominado por micro e PME (pequenas e médias empresas) inseridas em setores de baixa produtividade e reduzida sofisticação.

A partir dos processos de inovação mais ou menos formais emergem diferentes tipos de inovação — de produto, de processo, de marketing ou organizacional — e distintos graus de novidade, que podem variar entre soluções inéditas no contexto global, no mercado nacional ou apenas na própria empresa.

Os resultados científicos da inovação medem-se em publicações científicas, patentes e novas tecnologias desenvolvidas – alimentando ideias futuras e avanços do conhecimento e ciência nas respetivas áreas.

Já os resultados económicos para as empresas medem-se na melhoria dos resultados e da competitividade, quer pela redução de custos (via inovação de processos ou organizacional) quer pelo aumento das vendas (via inovação de marketing e, sobretudo, de produto, com o desenvolvimento de novos ou melhores bens e serviços) e o reforço do balanço com a geração de ativos intelectuais (patentes, mas também modelos de utilidade ou marcas, com menor exigência associada).

Naturalmente, esta é uma descrição do processo de inovação empresarial, mas há também inovação dentro do Estado, das universidades e das entidades sem fins lucrativos (como fundações, que podem possuir ou financiar centros de investigação), seja no âmbito do seu papel no sistema e ecossistema de inovação, seja procurando uma maior eficiência interna de processos e melhoria dos serviços prestados.

Saliento que a ligação entre o SCT – incluindo a academia e centros de inovação – e as empresas é crucial para potenciar o impacto de processos de inovação formal nas grandes empresas e desenvolver soluções para as empresas de menor dimensão à sua escala, bem como soluções mais ambiciosas para problemas comuns a muitas empresas, com apoios públicos e mediação de associações empresariais setoriais ou no âmbito de clusters formais, permitindo ultrapassar as questões da escala e do financiamento da inovação.

Deste modo, se a nova Agência para a Investigação e Inovação (AI²) pode constituir uma evolução do sistema de inovação – caso promova uma melhor ligação entre ciência e inovação, para que desta resultem maiores impactos na economia –, só na prática saberemos se haverá uma melhoria efetiva no ecossistema de inovação, i.e., nomeadamente nas relações com academia e empresas.

Após esta explicação é mais fácil perceber os alertas que referi na crónica anterior a respeito da AI², aproveitando para acrescentar mais alguns.

A investigação fundamental não pode ser negligenciada, pois mesmo não apresentando aplicação prática imediata, alimenta a investigação aplicada e as inovações tecnológicas e sociais que lhe estão associadas. De qualquer modo, defendo que a investigação fundamental deve apresentar, cada vez mais, pistas importantes sobre linhas de investigação futuras, incluindo algumas com aplicações mais práticas, de modo a promover o avanço quer do conhecimento científico quer do progresso social.

Por outro lado, há áreas do saber onde a conversão de conhecimento em valor económico é mais difícil, mas não menos relevante, incentivando abordagens interdisciplinares e novas formas de valorização.

Assim, se o impacto económico deve ser considerado na orientação dos fundos públicos para investigação e inovação, não pode ser descurada nem a investigação fundamental nem a relevância social da ciência além desse impacto mais material – enquanto instrumento de construção e preservação de um corpo de conhecimento crucial à educação e progresso civilizacional –, sendo necessário um equilíbrio adequado.

Feita esta salvaguarda, a secção seguinte demonstra que Portugal precisa, de facto, de um maior impacto económico do conhecimento gerado e da inovação que é desenvolvida no nosso país.

Desempenho de Portugal no EIS 2025

O relatório de inovação europeu EIS 2025 da Comissão Europeia mantém Portugal como “Inovador Moderado2, com um índice global de inovação correspondente a 90,7% da média da UE em 2025, ocupando o 16º lugar entre os 27 Estados-membros.

1. Componentes em que Portugal está acima da média da UE (ordem de aparecimento na tabela original)

  • Recursos humanos (104,5% da UE; 16º lugar): 120% da UE (10º) no peso da população envolvida em processos de aprendizagem ao longo da vida – independentemente da sua relevância para o emprego –; 100% (9º) nos novos doutorados em ciência, tecnologia, engenharia e matemáticas (STEM na sigla inglesa) com 25-34 anos por mil habitantes; e 94,9% (16º) no peso da população com ensino superior com 25-34 anos.
  • Sistemas de investigação atrativos (114,7% da UE; 12º lugar): 151,3% da UE (11º) no peso de estudantes doutorados estrangeiros; 133,9% (12º) nas copublicações científicas internacionais (pelo menos um autor estrangeiro) por milhão de habitantes; e 79,8% (16º) no peso de publicações científicas dentro das 10% mais citadas a nível mundial face ao total de publicações científicas de cada país.
  • Digitalização (120,1% da UE; 8º lugar): 126,1% da UE (8º) na proporção de residências com banda larga de alta velocidade; e 111,2% (12º) no peso das competências digitais acima do básico face ao total de população com 16-74 anos.
  • Financiamento e apoio (105,8% da UE; 10ª lugar): 185,8% da UE (1º) no apoio público direto e indireto (via sistema fiscal) à I&D empresarial em % do PIB; 78,3% (16º) nas despesas de I&D do setor público em % do PIB; e 36,2% (18º) nas despesas de capital de risco em % do PIB.
  • PME inovadoras (109,6% da UE; 12º lugar): 110,8% da UE (8º) na percentagem de PME com, pelo menos, uma inovação de processo para a empresa ou para o mercado; e 108,1% (14º) na percentagem de PME com, pelo menos, uma inovação de produto para a empresa ou para o mercado. Nos dois casos, a fonte é o Communitiy Innovation Survey, CIS, do Eurostat.
  • Impactos nas vendas e emprego (114,8% da UE; 8ª posição): 133,0% (4ª posição) na percentagem de vendas de produtos novos (ou significativamente melhorados) para a empresa, para o mercado ou mundo; e 98,8% (14ª posição) no peso do emprego das empresas inovadoras (com atividade de inovação de qualquer tipo) no emprego total de empresas com 10 ou mais trabalhadores. A fonte é o CIS do Eurostat.

2. Componentes em que Portugal está abaixo da média da UE

  • Inovação empresarial (56,6% da UE; 21º lugar): 36,1% da UE (23º) na despesa de inovação empresarial por empregado; 69,1% (17º) na despesa de inovação não I&D em % das vendas; e 70,3% (12º) na despesa de I&D empresarial em % do PIB. A fonte é o CIS do Eurostat.
  • Investimento em tecnologias de informação (91,9% da UE; 19º lugar): 79,8% da UE (19º) na penetração de serviços de computação em nuvem em empresas com 10 ou mais empregados (% do total dessas empresas); e 105,1% (12º) no peso no emprego dos especialistas em tecnologias de informação e comunicação (TIC).
  • Ligações (98,1%; 17º lugar): 67,1% da UE (21º) na percentagem de PME com atividades de cooperação em inovação (com outras empresas ou instituições do SCT; fonte: CIS do Eurostat); 104,2% (13º) no indicador de mobilidade de recursos humanos (número de pessoas com ocupação em ciência em tecnologia – mesmo que sem educação terciária – que mudaram de emprego no último ano em percentagem da população ativa de 25-64 anos); 146,5% da UE (16º) nas copublicações científicas público-privadas (excluindo o setor privado de saúde) per capita, que evidenciam ligações entre a investigação no setor público e no setor privado (investigadores na academia ou nas empresas).
  • Ativos intelectuais (78,3% da UE; 19º lugar): 58,6% da UE (17º) no número de pedidos de patentes (ao abrigo do Tratado de Cooperação de Patentes – PCT na sigla inglesa) junto do Gabinete de Patentes Europeu (EPO na sigla inglesa) em % do PIB em paridade de poderes de compra (PIB PPC); 81,4% (13º) no número de registos de desenho ou modelo comunitário junto do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO na sigla inglesa) em % do PIB PPC; e 103,7% (15º) no registo de marcas junto do EUIPO em % do PIB PPC.
  • Impactos no comércio (56,2% da UE; 20º lugar): 42,0% da UE (22º lugar) no peso das exportações de serviços intensivos em conhecimento (como transporte marítimo, aéreo e espacial; serviços financeiros; rendimento de propriedade intelectual; serviços de telecomunicações e computacionais; serviços audiovisuais, etc.; códigos da classificação de serviços da balança de pagamentos, EBOPS 2011, com base em dados da UN Comtrade); 56,0% (21º) no peso das exportações de produtos de média e alta tecnologia (como aeronaves, computadores, instrumentos e produtos eletrónicos, etc.; códigos do sistema de classificação do comércio internacional, SITC, com base nos dados da UN Comtrade); e 69,9% (13º) no indicador de dependência de importações de tecnologia de fora da UE (peso das importações de produtos de alta tecnologia vindos de fora da UE face às importações totais de produtos de alta tecnologia).
  • Produtividade de recursos e do trabalho (85,9% da UE, na 13ª posição): 45,6% da UE (17º) na produtividade do trabalho (PIB a preços constantes por hora trabalhada); 60,6% (18º) na produtividade de recursos (PIB a dividir pelos euros por kg de consumo doméstico de materiais da economia, correspondente à extração de matérias-primas do território mais as quantidades importadas menos as quantidades exportadas de materiais) e 138,5% (6º) na produtividade por emissões de CO2 (PIB em dólares a dividir pelas emissões de CO2 relacionadas com a energia).

Antes de prosseguir com as principais conclusões que emanam destes resultados, chamo a atenção que alguns dados com origem no Inquérito CIS do Eurostat podem estar distorcidos pela subjetividade induzida nalgumas questões, em função da latitude das respostas e o contexto dos inquiridos.

Em particular, atendendo às características já aludidas do nosso tecido empresarial, os valores significativamente acima da média da UE nas PME com inovações de processo e de produto poderão resultar de melhorias muito marginais, decorrentes de processos informais, que noutros países poderão ser desconsideradas pelos respondentes, num contexto em que a inovação é mais frequente e avançada.

Dados que as PME (e as microempresas) são predominantes na economia, tal poderá também explicar os indicadores acima da média de impactos de produtos novos nas vendas (se mesmo melhorias muito marginais forem consideradas nas PME, a proporção de produtos considerados novos sobe, bem como o seu peso nas vendas) e peso no emprego de empresas inovadoras (se qualquer PME se julgar inovadora), também com origem no inquérito CIS.

Penso que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento da realidade portuguesa e europeia reconhecerá que os indicadores referidos parecem desfasados da realidade, bem como de outros indicadores do EIS 2025 analisados abaixo mais em pormenor.

Já os outros indicadores com origem no CIS serão mais fidedignos por não suscitarem questões de interpretação ou contexto (os indicadores de despesa de inovação por empregado; despesa de inovação não I&D; e existência ou não de atividades de cooperação em inovação com outras empresas ou instituições são conceitos objetivos).

Ignorando as componentes com os problemas referidos, os dados do EIS 2025 mostram que Portugal está bem colocado nas seguinte componentes:

  • Recursos humanos: realce para valores próximos da média da UE nos doutorados STEM com 25-34 anos por mil habitantes e peso da população com ensino superior nessa faixa etária (não relevo tanto o indicador de aprendizagem ao longo da vida por estar desligado da relevância para o emprego).
  • Atratividade dos sistemas de investigação: o destaque vai para os valores acima da média do peso de estudantes doutorados estrangeiros e de copublicações científicas internacionais face à população, e uma posição (16º) pouco abaixo da mediana (14º) no peso de publicações cientificas no top 10% (a mesma posição que encontramos nas copublicações científicas público-privadas, inseridas na dimensão das ligações), apontando para uma produção de conhecimento que já compara bem no contexto europeu.
  • Digitalização: destaco a penetração de banda larga de alta velocidade, pois o indicador de competências digitais acima da média na população com 16-74 anos suscita-me dúvidas (nomeadamente, porque é conhecido que Portugal tem baixas qualificações médias nas gerações mais antigas, que predominam).
  • Financiamento e apoio: o bom resultado tem origem no apoio público direto e indireto (via sistema fiscal) à I&D empresarial muito acima da média da UE – pois estamos abaixo da média na I&D pública (16º lugar) e no capital de risco (18º) –, o que parece ter origem na generosa dedução fiscal em sede de IRC proporcionada pelo SIFIDE – Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial.

Neste último ponto, o problema é que o generoso apoio fiscal à I&D via SIFIDE não chega para compensar o facto de Portugal ter a 2º maior taxa nominal máxima de IRC da UE – para o que contribui, em grande medida, a derrama estadual progressiva sem paralelo na UE e que afeta as grandes empresas –, pois a taxa efetiva máxima (expurgando o efeito global dos benefícios fiscais, onde se inclui o SIFIDE) é também a 2ª maior, como analisei numa crónica anterior.

Ou seja, o SIFIDE parece ter sido a forma encontrada pelos governos de compensar – apenas parcialmente, como referi – a distorção introduzida pela derrama estadual, mas não se deve corrigir um erro introduzindo outro. A simplificação do sistema fiscal é crucial para a atração de investimento (além da carga fiscal), pelo que se deve corrigir as distorções e focar os benefícios fiscais nas falhas de mercado.

Defendo a eliminação da derrama estadual (além da redução da taxa geral e reduzida de IRC) para atrair investimento estruturante recorrendo o mínimo possível ao regime contratual de investimento, que é pouco transparente, no âmbito de uma reforma alargada do sistema fiscal. Dessa forma, poder-se-ia concentrar mais o SIFIDE nas empresas de pequena e média dimensão – onde recai a principal falha de mercado – e reduzir esse apoio às grandes empresas (via aumento da seletividade), que têm maior incentivo de mercado para conduzir a inovação e seriam beneficiadas pela redução da derrama estadual.

Retomando a análise dos resultados do EIS 2025, apesar do bom desempenho relativo de Portugal nas dimensões de recursos humanos, atratividade dos sistemas de investigação – e produção de conhecimento associada –, digitalização e financiamento, depois estamos abaixo da média na inovação empresarial (21º lugar), nas ligações entre empresas e com o SCT (17º lugar, com realce para o 21º, ou 7º pior, na interação das PME com outras empresas e com entidades do SCT para inovar), no investimento em TIC (19º), nos ativos intelectuais (19º lugar; 17º nas patentes) e, sobretudo, nos impactos no comércio (20º) e na produtividade (13º) – isto porque a baixa produtividade do trabalho (17º) e de recursos (18º) é apenas parcialmente mitigada pelo valor acima da média (6º lugar) na produtividade por emissões de CO2 relacionadas com energia, que estará associado ao forte peso das fontes renováveis na produção elétrica.

As dimensões de ativos intelectuais, comércio e produtividade são as mais importantes do ponto de vista dos impactos económicos da inovação (indicadores de output), enquanto todos os outros traduzem aspetos intercalares do processo de inovação, de uma forma geral (indicadores de input).

Ora é precisamente nos resultados económicos da inovação que estamos pior. O baixo peso das exportações de serviços intensivos em conhecimento (22º lugar na UE) e das exportações de produtos de média e alta tecnologia (21º) é revelador de um perfil de especialização ainda pouco sofisticado no contexto da UE, como venho a referir em anteriores crónicas.

Esse perfil, para o que contribui um baixo investimento em inovação empresarial por empregado (23º lugar), reflete-se depois numa diminuta produção de ativos intelectuais (17º lugar nos pedidos de patentes) e numa reduzida produtividade do trabalho (17º), bem como na utilização de recursos materiais (18º), indicador este que aponta para insuficientes progressos na circularidade da economia. Por outro lado, o elevado peso de eletricidade com origem renovável (hídrica, eólica e solar) reduz CO2 e importações de energia, mas dificulta a gestão da rede e essa é apenas uma parte do consumo final de energia, sendo o país ainda muito dependente de combustíveis fósseis importados nos transportes (petróleo), indústria e aquecimento (gás).

Conclusão

Os dados do recente relatório de inovação EIS 2025 confirmam que Portugal tem um sistema científico relativamente robusto e um capital humano qualificado que já compara bem com a média da UE – na faixa dos 25-34 anos, sublinho, não sendo avaliadas as gerações anteriores, onde comparamos mal –, mas ainda não consegue converter este conhecimento em inovação com impacto económico significativo.

Persistem debilidades estruturais importantes na inovação empresarial, na geração de ativos intelectuais e na sofisticação das exportações, o que compromete a produtividade e o posicionamento do país nas cadeias de valor mais intensivas em conhecimento – certamente há mais debilidades estruturais que também impactam na inovação (como a referida pouca qualificação das gerações mais antigas, que limita a sofisticação da procura), mas tal exigiria ir além dos dados do EIS 2025 aqui analisados.

A criação da nova Agência para a Investigação e Inovação (AI²) será irrelevante se não vier acompanhada de uma transformação cultural profunda: é essencial fomentar verdadeiras ligações entre a academia (e o SCT em geral) e o tecido empresarial, promover mais e melhor inovação dentro das empresas – incluindo nas PME – e assegurar que os incentivos públicos têm um impacto real e duradouro.

Neste contexto, a criação da nova Agência para a Investigação e Inovação (AI²) será irrelevante se não vier acompanhada de uma transformação cultural profunda: é essencial fomentar verdadeiras ligações entre a academia (e o SCT em geral) e o tecido empresarial, promover mais e melhor inovação dentro das empresas – incluindo nas PME – e assegurar que os incentivos públicos têm um impacto real e duradouro.

A nível fiscal, defendo a reformulação dos apoios fiscais à I&D (SIFIDE) – no âmbito de uma reforma fiscal alargada que elimine a derrama estadual progressiva –, que deve apostar na concentração desses apoios nas empresas de pequena e média dimensão (onde há falha de mercado) e ser mais seletivo no caso das grandes empresas, que têm mais incentivo de mercado para inovar e beneficiariam do fim da derrama.

Não basta financiar e produzir conhecimento, é preciso que este leve a mais inovação empresarial e com maior impacto na economia, elevando de forma efetiva o perfil de especialização produtiva, bem como a produtividade do trabalho e na utilização de recursos materiais, onde releva a circularidade da economia.

Deverá ser salvaguardada a investigação fundamental e a investigação em áreas do saber onde é mais difícil a conversão em resultados económicos, mas mesmo aí podemos adotar novas abordagens que potenciem essa dimensão económica, além do contributo natural dessas áreas para a educação, a cultura e o progresso civilizacional em geral.

É tempo de alinhar melhor os objetivos da política científica com os da política económica, reforçando a missão de transformar conhecimento em valor – para as empresas, para os trabalhadores e para o país.

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